quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Manda

 
Antonio de Albuquerque
Manda
─ Moço, se  afaste da janela, quer receber uma bala na cabeça?Nem sei o que você faz aqui!\Esse é um lugar de malucos, hoje já vi morrer muitos inocentes, não quero que você seja mais um. Só soube desse tiroteio quando já  havia entrado, respondi. Olhando pela  fresta da janela via as balas ricochetear no meu jipe, estacionado na porta da Farmácia. Era uma cidadezinha de uma só rua, onde eu tinha dois clientes, os quais em uma  hora eu os visitaria. Depois seguiria pela estrada até chegar à outra cidade a cem quilômetros. Esse era meu plano de viagem se não tivesse acontecido um imprevisto. Porém, ainda não sabia a razão de tanto tiro. Ouvia o tiro, a bala passar, as pessoas caindo e eu pensando que seria o próximo, nem de rezar me lembrava. Falava com as pessoas envolvidas no tiroteio, mas não me davam atenção, envolvidos no embate. De repente segurei um homem ferido que rastejava próximo a mim, e gritando perguntei o que havia? Ele pareceu despertar ao me olhar, e me reconhecendo disse: ─ Como você entrou nessa briga? Por acaso, respondi. Mas eu quero saber a razão da briga. ─ O Tadeu engravidou minha filha, Manda, e não quer casar, razão dessa guerra.  Permita que eu proponha uma trégua. O comerciante hesitou, mas finalmente disse: ─ Tente, mas vá com cuidado, não morra numa luta que não é sua. Não vou tentar, vou conseguir acabar com essas mortes.
Estava embaixo de algumas sacas de babaçu e levantei-me devagarzinho, coloquei um lenço branco na ponta duma barra de sabão e levantei o braço, o que foi suficiente para uma bala atravessar o sabão. Recuei. Meu corpo tremia sentindo muito medo, mesmo assim, gritei: Hei! Aqui é o caixeiro- viajante, nós precisamos conversar, eu tenho uma proposta. Do outro lado da rua alguém falou: ─ Essa briga não é sua, não queremos lhe atingir. Mas o que tem a dizer? Se o Tadeu casar com a Manda estará tudo resolvido?  ─ Sim, é isso que nós queremos, falou o homem do outro lado da Rua. Então suspendam o fogo, disse eu. Não se ouviu nem mais um tiro, pareceu que estavam ansiosos para por fim a luta. Os mortos e feridos foram recolhidos, restando muita dor e sofrimento. No entanto a guerra não terminaria se não houvesse casamento. Face ao tiroteio, o padre havia se ausentado da cidade, o Juiz de Paz estava na Capital, e às pessoas envolvidas no conflito não poderiam celebrar o casamento. Lembraram-se, então, do caixeiro-viajante. Sim, eu não poderia recusar, até porque não tinha nenhum plano dois e aceitei. Aconteceu que Manda entrou em trabalho de parto, e novamente o caixeiro-viajante foi solicitado a levar Manda a uma parteira distante da cidade, também sem alternativa, aceitei. Na estrada arenosa dirigia o jipe acima da velocidade ideal. No alto o Sol brilhava tal uma manopla de fogo, a cigarra cantava anunciando mais calor naquele inesquecível dia. Manda ao meu lado se contorcia de dor, no banco de traz viajava dois capangas como garantia que eu levaria e traria de volta a moça.
 ─ A bolsa rompeu, disse Manda. Parei o jipe à sombra de um babaçu. Sem pensar, um sujeito mal-encarado disse: ─ Faça o parto. Eu respondi: Não sei fazer. ─ Faça assim mesmo, se não fizer eu varo sua cabeça com uma bala. Virei o corpo dando-lhe uma pernada no escutador de baião, quando senti um cano frio de uma arma na minha cabeça, e olhando para o outro capanga, disse: Vou ver o que faço. Assim é melhor, disse o sujeito.
 
Afastei os homens, coloquei manda numa posição confortável, lembrei-me de alguns ensinos que uma mulher havia me transmitido, rezei o pai nosso e fiz o parto. De volta à cidade, com Manda e o menino ao lado, ele chorando, os capangas no banco de traz conversando, e um dizia: Antes que ele saia da cidade eu devolvo a pernada que ele me deu... No dia seguinte, na cidade reinava a paz e harmonia. Houve casamento, batizado, muita festa e eu batizei um menino, dando-lhe o nome Antonio. Nunca mais voltei lá, mas espero que ele esteja com saúde e que haja mais paz em sua cidade.

 

 

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