Antonio de Albuquerque
Manda
─
Moço, se afaste da janela, quer receber
uma bala na cabeça?Nem sei o que você faz aqui!\Esse é um lugar de malucos,
hoje já vi morrer muitos inocentes, não quero que você seja mais um. Só soube
desse tiroteio quando já havia entrado,
respondi. Olhando pela fresta da janela
via as balas ricochetear no meu jipe, estacionado na porta da Farmácia. Era uma
cidadezinha de uma só rua, onde eu tinha dois clientes, os quais em uma hora eu os visitaria. Depois seguiria pela
estrada até chegar à outra cidade a cem quilômetros. Esse era meu plano de
viagem se não tivesse acontecido um imprevisto. Porém, ainda não sabia a razão
de tanto tiro. Ouvia o tiro, a bala passar, as pessoas caindo e eu pensando que
seria o próximo, nem de rezar me lembrava. Falava com as pessoas envolvidas no
tiroteio, mas não me davam atenção, envolvidos no embate. De repente segurei um
homem ferido que rastejava próximo a mim, e gritando perguntei o que havia? Ele
pareceu despertar ao me olhar, e me reconhecendo disse: ─ Como você entrou
nessa briga? Por acaso, respondi. Mas eu quero saber a razão da briga. ─ O
Tadeu engravidou minha filha, Manda, e não quer casar, razão dessa guerra. Permita que eu proponha uma trégua. O
comerciante hesitou, mas finalmente disse: ─ Tente, mas vá com cuidado, não
morra numa luta que não é sua. Não vou tentar, vou conseguir acabar com essas
mortes.
Estava
embaixo de algumas sacas de babaçu e levantei-me devagarzinho, coloquei um
lenço branco na ponta duma barra de sabão e levantei o braço, o que foi
suficiente para uma bala atravessar o sabão. Recuei. Meu corpo tremia sentindo
muito medo, mesmo assim, gritei: Hei! Aqui é o caixeiro- viajante, nós precisamos
conversar, eu tenho uma proposta. Do outro lado da rua alguém falou: ─ Essa
briga não é sua, não queremos lhe atingir. Mas o que tem a dizer? Se o Tadeu
casar com a Manda estará tudo resolvido? ─ Sim, é isso que nós queremos, falou o homem
do outro lado da Rua. Então suspendam o fogo, disse eu. Não se ouviu nem mais
um tiro, pareceu que estavam ansiosos para por fim a luta. Os mortos e feridos
foram recolhidos, restando muita dor e sofrimento. No entanto a guerra não terminaria
se não houvesse casamento. Face ao tiroteio, o padre havia se ausentado da
cidade, o Juiz de Paz estava na Capital, e às pessoas envolvidas no conflito
não poderiam celebrar o casamento. Lembraram-se, então, do caixeiro-viajante.
Sim, eu não poderia recusar, até porque não tinha nenhum plano dois e aceitei.
Aconteceu que Manda entrou em trabalho de parto, e novamente o
caixeiro-viajante foi solicitado a levar Manda a uma parteira distante da cidade,
também sem alternativa, aceitei. Na estrada arenosa dirigia o jipe acima da
velocidade ideal. No alto o Sol brilhava tal uma manopla de fogo, a cigarra
cantava anunciando mais calor naquele inesquecível dia. Manda ao meu lado se
contorcia de dor, no banco de traz viajava dois capangas como garantia que eu
levaria e traria de volta a moça.
─ A bolsa rompeu, disse Manda. Parei o jipe à
sombra de um babaçu. Sem pensar, um sujeito mal-encarado disse: ─ Faça o parto.
Eu respondi: Não sei fazer. ─ Faça assim mesmo, se não fizer eu varo sua cabeça
com uma bala. Virei o corpo dando-lhe uma pernada no escutador de baião, quando
senti um cano frio de uma arma na minha cabeça, e olhando para o outro capanga,
disse: Vou ver o que faço. Assim é melhor, disse o sujeito.
Afastei
os homens, coloquei manda numa posição confortável, lembrei-me de alguns
ensinos que uma mulher havia me transmitido, rezei o pai nosso e fiz o parto.
De volta à cidade, com Manda e o menino ao lado, ele chorando, os capangas no banco
de traz conversando, e um dizia: Antes que ele saia da cidade eu devolvo a
pernada que ele me deu... No dia seguinte, na cidade reinava a paz e harmonia.
Houve casamento, batizado, muita festa e eu batizei um menino, dando-lhe o nome
Antonio. Nunca mais voltei lá, mas espero que ele esteja com saúde e que haja
mais paz em sua cidade.
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