Antonio de Albuquerque
Belém - 1967
Esther
Em
pleno mês de janeiro, estação chuvosa na Amazônia. Na década de 60 ainda não
existia uma boa segurança nos voos na
região. Os pilotos precisavam possuir experiência e habilidade para voar com precários instrumentos de voo disponibilizados,
só sendo permitido voar em algumas rotas das seis às dezoito horas, e poucas companhias aéreas operavam na Amazônia.
Decolamos
da cidade de Marabá voando em baixa altitude, o comandante Roland se orientava
pelo leito dos rios e eu enxergava a copa das árvores a pouca distância da asa
da aeronave, mas esse perigo pouco importava e eu me deliciava com a belíssima
paisagem amazônica. Creio ter sido esta visão de floresta e rios que contribuiu
para eu permanecer nesse imenso continente atapetado de florestas e água.
Voávamos há cinquenta minutos e não havíamos visualizado a cidade onde
deveríamos pousar numa escala antes de chegar ao destino final da viagem que
seria a cidade de Belém. Voamos mais trinta minutos e percebi a ansiedade entre
os passageiros. Dirigi-me ao comandante pedindo explicação, e ele me informou
que em decorrência da precária visibilidade havia mudado o curso e estávamos
indo para um pouso numa fazenda a beira de um rio. Em seguida, dirigindo-se aos
passageiros adiantou que com segurança faria uma aterrissagem de emergência numa
fazenda. Por alguns minutos voamos em círculos numa preparação para o pouso. Eu
conhecia a aeronave; um DC3, avião de transporte de tropas na segunda guerra e
seu comandante que havia tripulado aquele equipamento durante a guerra e também
acreditei que tudo daria certo. Finalmente quando o sol dourando no horizonte
se escondia, estávamos em terra, ouvindo as explicações da tripulação e felizes
por estarmos a salvo.
Leôncio,
o proprietário da fazendo nos informou que havia acomodações para todos; os
homens ficariam num amplo galpão aberto e as mulheres, crianças e idosos seriam
hospedados na casa grande. Às vinte horas seria servido um jantar para todos e
às sete da manhã o café matinal. Serviram um farto jantar e nada faltou. No
Pará é assim, os moradores são bons anfitriões e amigos. Após o jantar
deitei-me numa rede sob o galpão, quando surgiu uma forte chuva com relâmpagos
e trovões, fenômeno natural na Amazônia. O vento trouxe a chuva para dentro da
minha rede e em poucos minutos minha roupa encharcou. Uma pessoa da fazenda me instalou
num confortável quarto dentro da casa, com duas camas e banheiro, e sozinho
deitei-me. Era meia noite quando acordei ouvindo leves batidas na porta. Levantei-me
e, ao abrir inesperadamente deparei-me com uma formosa jovem que se apresentou
dizendo chamar-se Esther, justificando que havia chegado tarde, e não querendo
incomodar outras pessoas pedia para dormir no meu quarto, sabendo da existência
das duas camas. Acolhi a moça, que agradeceu e naturalmente tomou posse da
outra cama junto à minha.
Deitado, observava seus graciosos movimentos,
quando com naturalidade ela se despiu; seu corpo tinha a perfeição que os
escultores sonham um dia criar e exalava um perfume que somente a natureza
concebe, seus olhos pareciam puras esmeraldas. Com um sorriso de criança olhou
para mim e dormiu. Achei tudo estranho e extasiado mergulhei em seus encantos,
parecendo um sonho dourado numa noite risonha. Esther dormia com um semblante
calmo e sereno. Horas depois adormeci. Com o trinar dos passarinhos bruscamente
acordei e a cama de Esther estava vazia, chamei-a e sem resposta saí a
procura-la, em vão. Lembrei-me do café matinal e também lá não a encontrei. Corri
em volta da fazendo na esperança de vê-la, mas só encontrei Leôncio que logo
abriu um largo sorriso dizendo: ─ O que deseja meu caro jovem? – Preciso falar
com uma moça de nome Esther. Pensativo ele me respondeu: ─ eu tinha uma filha com esse nome, que
faleceu em Salvador, lugar onde morava e estudava medicina. O quarto onde você
dormiu era de Esther que ocupava quando aqui vinha de férias. Eu a amava muito,
mas hoje é só saudade que me dá força para viver e sonhar. Creio que a minha
saudade para aqui transporta sua imagem indelével, ─ Completou Leôncio. Quando
me dirigi para o embarque à maioria dos passageiros já estava a bordo. Com os
olhos pejados de lagrimas olhei pela janelinha do avião e enxerguei Esther acenando
e sorrindo com ternura, no semblante guardava o sulco fundamental da doçura. Com
o coração mergulhado na tristeza, chorei de saudade e na lembrança guardei para
sempre sua luminosa imagem.
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