terça-feira, 4 de março de 2014

Imprevisto em Cartagena

Imprevisto em Cartagena


Era manhã quando Vitor e seus companheiros passaram pela revista da alfândega e seguiram para o hotel, antes, porém, foram ao consulado brasileiro e narraram toda a epopeia às autoridades diplomáticas. Os diplomatas ouviram o relato de Vitor, nada comentaram sobre o assunto, mas asseguraram que Josefina e o professor estariam em segurança.
─ Agora estamos sem problemas, vamos conhecer Cartagena, nos divertir, fazer compras e em quarenta e oito horas  voltaremos a navegar rumo ao Brasil, disse Vitor.
─ A ideia era brilhante, mas será que tudo aconteceria de acordo com o previsto? Até ali vinham enfrentando uma viagem repleta de aventuras; ilhas paradisíacas e encantadas que surgiam do nada. Lutas com quadrilhas internacionais, enfrentamento e morte de bandidos, e navios piratas de outra dimensão. Será que em Cartagena seria diferente? Só o tempo responderia.
Cartagena é uma das cidades mais bonitas da Colômbia. Possui uma arquitetura colonial com seus mais de quatrocentos e cinquenta anos; tem belas casas adornadas com azulejos centenários e lindas praças com cafés em estilo europeu, fortes e castelos centenários. Tem montanhas cobertas de palmeiras e uma paisagem deslumbrante. Cidade onde viveu o escritor Gabriel Garcia Márquez, prêmio Nobel de literatura. Realmente, uma cidade bela e histórica. As noites em Cartagena são bem-divertidas. Vitor e seus companheiros pretendiam aproveitar o máximo essas belezas.
No dia seguinte, no café da manhã Vitor recebeu a visita do escritor e sua filha. Naturalmente Vitor queria saber o que aconteceu. Josefina explicou que, conforme o entendimento tido com as autoridades colombianas ela poderia permanecer na cidade o tempo que desejasse. Ali desenvolveria suas pesquisas no Instituto Nacional de Ciências. Tudo autorizado pelo Ministério da Segurança. Antonio Herrera era um estrangeiro livre naquele país acolhedor e, demonstrava muita satisfação ao lado de sua querida filha e Vitor sentia-se confortado por ter proporcionado a liberdade ao casal ao libertá-los em Cuba.
Vitor comunicou que em companhia de González e Massumi iria até a área portuária para inspecionar a manutenção do veleiro. Queria retornar ao mar com segurança, pois a viagem seria longa até às águas territoriais brasileiras. Depois visitaria o centro histórico da cidade e logo à tarde estaria reunido com os demais para o almoço.
─ Eu e minha filha gostaríamos imensamente de acompanhá-los, disse o professor.
─ Será um prazer tê-los em nossa companhia, respondeu Vitor.
Em seguida o grupo se dividiu, ficando acertado que às primeiras horas da tarde, se encontrariam numa casa de chope. Vitor, Massumi e Gonzalez seguiram para a área portuária. Ao concluírem a vistoria voltaram ao centro da cidade e dirigiram-se ao local de encontro. Sentados a uma mesa se encontravam o professor e sua filha que aguardavam Sebastiam Garcia, Marina e Laura.
─ Vamos beber um chope bem gelado enquanto aguardamos os companheiros, adiantou Massumi.
Os outros concordaram e, numa boa conversa aguardavam a outra parte do grupo que chegaria a qualquer momento. No entanto foram abordados por dois policiais que solicitaram a identificação do grupo. Os brasileiros haviam deixado os documentos no hotel, mas logo se prontificaram a ir buscá-los na recepção do hotel. Os policiais argumentaram que não poderiam esperar, e que tudo seria resolvido no distrito policial para onde foram convidados a comparecer. Josefina e o pai também teriam que acompanhá-los. Vitor argumentou alguma coisa sobre um tratado que existe entre Brasil e Colômbia com relação a documentos, mas não lhe deram atenção. Os policiais se mostravam educados, mas determinados no que queriam, mas Vitor percebeu algo estranho no comportamento deles, a maneira de andar e conduzir a arma no coldre, cujo modelo não correspondia às tradicionais usadas por policiais da Colômbia, ele portavam revolveres ao invés de pistolas semi-automáticas.
Entraram na viatura policial que se afastou velozmente circulando por uma grande avenida por dez minutos. Ao se distanciarem do centro. Josefina chamou atenção dos policiais, pois conhecia bem a cidade, eles não lhe deram ouvido e Vitor concluiu que se tratava realmente de um sequestro. Josefina  insistiu com o policial pedindo-lhe uma explicação e ele lhe apontou uma arma dizendo para ficarem quietos. A moça sentindo que Vitor reagiria, fez sinal e ele recuou. Ela conhecia a cidade e a essa altura já sabia que um sequestro estava em curso. Numa região montanhosa o carro subia em alta velocidade, o grupo estava aflito, mas buscando a tranquilidade.
Um falso policial, mantinha a arma apontada para os passageiros. Vitor estudava os movimentos dos dois homens e num primeiro descuido, agiria rapidamente. Esse era seu plano. Olhou para González e Massumi e fez sinal com os olhos para redobrarem os cuidados. Desarmados Vitor e seus companheiros eram reféns de bandidos da mais alta periculosidade.
─ Deixe de apontar essa arma para nós, estamos desarmados, disse Vitor.
─ Cale a boca ou quebro-lhe os dentes com a coronha dessa arma, disse o homem mal-encarado.
Permaneceram em silêncio até que o homem parou o carro em frente a uma mansão e o portão se abriu. Ali mesmo os prisioneiros foram algemados e levados à presença de um  homem que foi direto ao que queria dizendo:
─ Sei quem são vocês, sei também que deram cobertura ao professor Antonio Herrera para que ele pudesse fugir de Cuba. Só por ajudar criminosos inimigos do estado já merecem morrer, mas serei benevolente com todos desde que o professor me informe o paradeiro do projeto de defesa que ele sabe o que é, e onde se encontra, e revele-me o código do sistema de defesa do governo cubano.         
─ Aviso aos senhores que não sou paciente.
─ Nada sei do projeto e dos códigos que você fala, pois eu era um simples funcionário do governo cubano e, nunca tive acesso a documentos sigilosos, adiantou o professor. O homem sorriu descaradamente e aproximando-se de Antonio esbofeteou-o com violência. Massumi acertou uma pernada no bandido, mas foi contido com uma coronhada na cabeça. Novamente o homem que parecia ser o chefe da quadrilha, dirigiu-se ao professor dizendo:
─ Senhor professorzinho de merda, vou dar-lhe alguns minutos para pensar no assunto, você sabe o que eu quero. Se não me passar às informações, vou matá-los um a um a cada dez minutos. O primeiro a ser executado será sua filha a senhorita Josefina, isso abrirá sua memória, disse o bandido, acariciando o rosto da moça.
─ Depois chegará  sua vez. Não tentem ganhar tempo, se forem bonzinhos pelo menos um eu deixo vivo para contar a história para os netinhos. Estamos entendidos? Sei que se comportarão bem porque vocês demonstraram inteligência ao tirarem do território cubano esse professor maluco, disse o homem.
Com tapas e empurrões foram colocados numa cela. Vitor procurava traçar um plano de ação.
─ Que faremos? Temos poucos minutos, disse Massumi.
─ Prestem atenção no que vou fazer, calmamente disse Josefina.
─ Tenham cuidado, eles são muito perigosos, advertiu Vitor.
─ Vai dar certo, confie em mim, respondeu a moça.
Um sujeito mal-encarado e armado com uma pistola guarnecia a porta da cela. A casa estava localizada entre as montanhas onde jamais alguém ouviria um grito ou mesmo um tiro. Josefina pediu ao bandido, água para beber. O sujeito maliciosamente disse que ela poderia beber, mas teria que ir com ele buscar a água. Ela aceitou, pois tinha um plano. Vitor percebeu e ficou observando, mas sem muita esperança de uma reação por parte de Josefina, que imaginava ser ela inexperiente nesse tipo de ação.
O indivíduo abriu a cela e com a arma na mão se afastou com Josefina que se mostrou provocante, mostrando seus volumosos seios e sorrindo para o homem. Minutos depois  ouviram pancadas surdas e depois um tiro e passos apressados no corredor. Era Josefina com a arma na mão direita e um rolo de chaves na outra que logo jogou para dentro da cela. A estranha e pacata professora havia matado dois homens e já estava de posse das chaves da cela, das algemas e de duas pistolas. A batalha sangrenta estava apenas começando e ela já havia mandado dois criminosos queimar no inferno, e com  certeza não seria o inferno de Dante Alighieri.
Vitor ficou a pensar em Josefina, a mulher frágil  que aparentava ser, mas que mostrava não ser tão dócil quanto parecia. As mulheres são maravilhosas, quando menos se espera elas nos surpreendem, pensava Vitor.
Josefina mostrava-se ágil como uma onça-pintada. Vitor abriu a cela e saiu com os companheiros, deixando o professor escondido no seu interior. Ele recebeu uma pistola e rapidamente afastou-se para a outra margem do largo corredor. Homens armados corriam pelos corredores e outros se escondiam atrás  de amplas colunas. Massumi e Gonzalez sabiam lutar corpo a corpo e aguardavam a aproximação de algum criminoso para tomar-lhe a arma.
Na outra ala do prédio ouviam-se passos apressados e homens falando alto, na porta principal dois homens surgiram e antes que disparassem suas armas, Vitor deu uma rajada de tiros e os dois caíram em pedaços. Vitor manteve-se deitado, e os outros rastejando procuraram se aproximar das armas caídas a poucos metros. Josefina rolando de um lado para o outro, disparava sua arma procurando acertar alvos no fim do corredor. A situação era tensa. Vitor e seus companheiros estavam em visível desvantagem, pois homens armados surgiam de todas as direções do prédio, a luta estava se mostrando extremamente sangrenta.
Vitor atirando deu cobertura e Massumi que se apossara de uma arma a fez rolar até Gonzalez que passou a atirar protegendo a porta da cela onde se encontrava Antonio, alvo que os bandidos queriam a todo custo. Josefina atirou na direção da outra ala surpreendendo dois homens que foram baleados, mas um terceiro conseguiu acertar González que caiu sangrando. O outro ganhou espaço e veio atirando, porém  sua munição acabou como também da arma de Josefina que se jogando sobre o homem, tirou-o de combate com um golpe de caratê e o fez ficar na linha de tiro de Vitor e ordenou:
─ Mãos na cabeça se levantar o corpo será mais um bandido a visitar o capeta. As balas ricocheteavam por todos os lados.
O homem reagiu e foi baleado entre os olhos pela segura pontaria de Vitor que estava alerta.
Vitor e seus companheiros procuravam a todo custo ganhar espaço e dominar a situação. González havia ficado na retaguarda como segurança de Antonio Herrera e, portanto seus companheiros não podiam se afastar.  Balas surgiam de todas as direções. Os companheiros recuaram e se posicionaram próximos à porta da cela, prontos para atirar em três direções. Vitor e Josefina haviam recolhido algumas armas e agora os quatro estavam bem-armados. Na parte externa da mansão já se ouviam disparos; era a polícia que acabara de chegar, e com seus homens dominava a parte exterior da casa, desarmando e algemando  alguns que ainda tentavam resistir.
O tiroteio cessou e Vitor percebeu que seu grupo e a polícia dominavam a luta. Muitos bandidos estavam fora de combate, feridos, desarmados ou mortos. Um reforço policial e ambulâncias já estavam a caminho, mas alguns homens continuavam tentando fugir escalando um muro de cinco metros, alvo fácil para Josefina e os policiais acertarem-lhes as pernas com balas de poderosas armas.
Vitor pediu a Josefina que assistisse Gonzalez que, mesmo baleado mantinha nas mãos, duas pistolas com carregadores cheios. Josefina, correndo chegou até o ferido, fez uma compressa sobre o ferimento e manteve-se a seu lado. O professor se mantinha deitado, mas com uma arma na mão atirava dando cobertura aos demais. Vitor e Massumi observavam, procurando ficar fora da mira de algum bandido. Vitor ainda ouviu tiros fora do prédio e percebeu que os bandidos ainda tentavam escalar o muro, mas em desvantagem foram completamente dominados pela eficiente polícia.
Vitor olhou para trás e viu Josefina baleada com o corpo jogado em cima do pai e um bandido apontava-lhe a arma. Massumi já sem munição, mas com muita agilidade, jogou-se sobre o homem, tomando-lhe a arma e com a mesma estourando seus miolos, era mais um famigerado bandido a visitar o demônio.
A luta parecia ter chegado ao fim. No entanto, surgiu na frente de Vitor o chefe da quadrilha. Mandou que Vitor jogasse a arma no chão. Ele jogou e o criminoso apontando-lhe a arma na nuca, ordenou: Mande sua gente largar as armas. De repente o bandido deixou a arma cair e, em sua testa apareceu um fio de sangue. Suas pernas dobraram, ele tombou e seguiu em direção ao inferno. O delegado havia mirado em sua cabeça e num breve movimento do bandido o homem da lei atirou e o criminoso despediu-se desse mundo. Os tiros cessaram e num silêncio de cemitério alguém gritou o nome de Josefina:
─ Josefina, aqui é o delegado Gimenez, está tudo sobre controle.
Vitor gritou dizendo:
─ Josefina está ferida.
Com ligeireza o delegado se apresentou com seus homens, dizendo:
─ Podem baixar as armas, os bandidos estão dominados, sou eu o delegado Gimenez da Interpol, e correndo se aproximou de Josefina. Ela sangrava, mas fora de perigo. Logo a ambulância chegaria com os primeiros socorros. Uma bala havia atingido o tórax do capitão González que apesar de sangrar não parecia tão grave, o petardo havia atingido de raspão sem perfurar seu corpo. A luta tinha um saldo de onze mortos, e dezesseis feridos e vinte presos, havia sido uma batalha sangrenta com três policiais feridos, dois civis do grupo de Vitor e infelizmente um homem da lei havia passado dessa para outra.
─ Grato por ter salvado minha vida, disse Vitor.
─ Eu é que lhe devo muita gratidão, proteger a vida dos cidadãos é meu dever, respondeu o delegado e completou dizendo:
─ Eu caçava essa quadrilha havia cinco anos ininterruptos. Eles eram muito espertos e perversos. Tinham ramificações em muitos países, inclusive no Brasil e Argentina onde até políticos influentes lhes davam cobertura. Foi uma grande derrota para o crime organizado, e será maior ainda quando eles me passarem as informações que precisamos para dar-lhes o golpe final. Agora posso mandar um recado para seus patrões lá na Florida, disse o delegado.
 Os feridos do grupo de Vitor foram conduzidos ao hospital e depois das formalidades legais, liberados. Os bandidos recolhidos ao presídio e hospitais da região. Vitor e seus companheiros, depois de medicados voltaram ao hotel, com exceção de Gonzales que permaneceu em observação médica, sendo liberado no dia seguinte.
O relógio marcava vinte horas e apesar de Vitor haver telefonado dizendo que explicaria tudo quando chegasse ao hotel, Laura estava furiosa, porém depois dos esclarecimentos ela entendeu. No dia seguinte receberam a visita do delegado, que acompanhado por Josefina e seu pai, pareciam outras pessoas; ela com mais desenvoltura e ele com um porte mais altivo. Foram apresentados pelo delegado que se dirigindo a  Vitor, disse:
─ Quero apresentar os agentes da Interpol, senhorita Josefina Pastor Herrera e o senhor Antonio Enrique Herrera, sendo que ambos trabalham como agentes infiltrados, Antonio é realmente um professor, mas antes de tudo é um policial da melhor estirpe. Josefina é professora na universidade, mas é também uma excelente policial amante desse país. O senhor deve estar estranhando como as coisas aconteceram, sei inclusive que as férias de vocês tornaram-se uma aventura muito perigosa. Para desbaratarmos essa organização foi necessário usar indevidamente o senhor e seus companheiros como isca para podermos prender esses criminosos inimigos de Cuba e Colômbia, com raízes profundas nos Estados Unidos. Pedimos-lhes muitíssimas desculpas por tudo que aconteceu.
Nós sabíamos que retirando de Cuba o professor Antonio Enrique eles naturalmente seguiriam seus passos em busca de sequestrá-lo em virtude de termos plantado uma falsa notícia que Enrique fora abandonado pelo governo de seu país e possuía  informações importantíssimas sobre a segurança nacional tanto de Cuba quanto da Colômbia. Essas informações  valeriam muitos mil dólares no mercado negro, todavia eles engoliram a isca, e agora estão presos. Falta prender a cúpula da organização, o que se dará em breve, tarefa que caberá a Policia Federal do Brasil, auxiliada pelo FBI americano.
O agente Antonio Enrique estava sendo protegido por agentes da Interpol, serviço secreto de Cuba, Colômbia e naturalmente por vocês que também estavam sendo guarnecidos nesta grande operação. Participaram dessa missão nada menos do que trinta agentes, quatro aeronaves e dois navios, sendo um submarino que do mar a tudo monitorava. 
Foi  difícil pegá-los porque eles têm ligações com a banda podre da política e das polícias. Novamente peço-lhes desculpas em nome das autoridades dos nossos países e quero dizer-lhes que o senhor e seus companheiros prestaram um grande serviço ao povo. O Caranguejo e sua tripulação ficarão permanentemente nos registros da Interpol no mundo inteiro, como grandes amigos e, sempre terão a nossa proteção. Também enviaremos um delegado especial para pessoalmente agradecer o auxílio da Sra. Raquel sua ex-esposa, sem ela essa operação não teria acontecido, concluiu o competente delegado.
─ Vamos pedir para ele prender o Chevalier, disse Garcia.
─ Um fenômeno daqueles não surge duas vezes, respondeu Massumi.
─ Certamente ele está rindo de nossas caras, disse Vitor.
─ O delegado ainda proferiu algumas palavras, dizendo:
O Caranguejo foi monitorado via satélite e seguido mesmo em águas internacionais por barcos da marinha dos nossos países. Aqui mesmo na Colômbia o Caranguejo foi protegido por agentes disfarçados. Hoje mandamos fazer uma varredura nele afastando qualquer possibilidade de sabotagem. Ele está abastecido, livre e em boas condições para prosseguir viagem com toda segurança e, nós nos colocamos ao inteiro dispor dos senhores. No entanto, precisamos entender porque o barco ficou alguns dias fora do nosso controle concluiu.
─ São mistérios do mar, disse Vitor.
─ Não entendi.
─ Esqueça delegado, um dia quando você velejar vai entender.
─ Sim, compreendi, respondeu o homem da Lei.
─ Meu respeitável delegado como o senhor soube que havíamos sido sequestrados? Perguntou Vitor.
─ Nós somos bem-informados, respondeu o homem da lei.
Vitor tinha no rosto alguns hematomas de socos desferidos por bandidos. De Josefina Vitor recebeu um respeitoso beijo e uma minúscula medalha com a insígnia da polícia internacional. Agora a tripulação do Caranguejo estava livre para voltar ao mar, mas será que o mar não teria mais alguma surpresa com seus infinitos mistérios? Só velejando pelo mar das Caraíbas eles descobririam.



segunda-feira, 3 de março de 2014

Misteriosa Cidade


Misteriosa Cidade

Meio-dia. A luz do sol focou sobre a pedra, a fenda se abriu e os viajantes penetraram numa misteriosa cidade localizada entre planícies e montanhas de grande altitude com uma suave temperatura. Caure contemplava o deslumbrante cenário, formado por campos verdejantes tapizados de flores e gigantescos pássaros a sobrevoar a cidade, águias, condores, gaviões, araras gigantes e outras aves desconhecidas voavam sobre os prédios embelezando a cidade que parecia pertencer à outra dimensão. Belíssimos animais desconhecidos caminhavam livremente pelos prados, animais que viveram noutros oceanos em outros lugares do universo, espécimes que o homem conhece como pré-históricos. Eles viveram na civilização de Atlântida e, fora do planeta foram preservados por esse adiantado povo que no infinito foi viver, libertando-se da pesada força da gravidade. Os prédios alinhados mostravam uma perfeita simetria, uma engenharia divinamente bela com paredes de cristal translúcido e luz solar. As construções se diferenciavam, porém mantinham a mesma linha arquitetônica. Alguns edifícios se destacavam entre os demais, um teatro, o palácio administrativo, um centro cultural e um grande hospital, todos seriam mostrados posteriormente a Caure. A matéria com a qual era formado esse lugar e tudo que nele existia era diferente da matéria que forma a terra e seus habitantes. Tudo ali era diferente e misterioso.
A energia utilizada era captada do sol, de forma que à noite grandes refletores transparentes e soltos no espaço clareavam a cidade como se fosse dia. O Sol a Lua e as estrelas pareciam beijar o solo, lembrando uma cidade cenográfica, mas tudo era real. Homens e mulheres transitavam pelas ruas com alegria e viam a presença de Caure e Trovão com naturalidade, e eles pareciam habitantes do lugar, a grande maioria das pessoas parecia flutuar, outras pisavam suavemente no solo, envolvidas por uma luz multicolorida. As naves espaciais que cruzavam o céu só eram vistas quando desciam, ao subirem, segundos depois, tornavam-se invisíveis e silenciosas. Tratava-se de um povo avançadíssimo em ciência e espiritualidade. Caure desconhecia o que estava vendo, mas em sua memória sentia que aquele lugar não lhe era estranho, provavelmente havia gravado na mente em vidas passadas, em civilizações também avançadas que existiram na Terra e em outros lugares do Universo.
Caure foi recebido em palácio e apresentado aos dirigentes da cidade e percebeu que estava lidando com seres altamente evoluídos, pois transmitiam uma boa energia e mansamente falavam a mesma língua, mas também se comunicavam pelo pensamento; vestiam-se com roupas leves, claras, quase padronizadas, mas com cores indescritíveis, pareciam seres comuns, mas diferentes do povo da Terra, pois Caure percebia neles uma matéria menos densa do que a nossa. Possuíam os sentidos mais aguçados que os nossos e a alimentação básica era água colhida duma fonte cristalina vinda do espaço, frutas, legumes e mel silvestre. Eles possuíam um corpo mais perfeito que o nosso e viviam em harmonia entre si e a natureza. Finalmente Caure pôde abraçar os pais que não pareciam envelhecidos e estavam ansiosos para voltar a Tutoia e continuar o trabalho de proteção e conservação ambiental que realizavam ao longo de gerações.  Nir dirigindo-se ao filho disse:
─ Sua mãe e eu acompanhamos sua trajetória de vida ao longo desses anos que estamos separados. Nossa ausência física foi necessária para que você sozinho passasse por grandes experiências e adquirisse o conhecimento necessário para chegar aonde chegou. Queríamos que você se tornasse um defensor das florestas e conhecesse a importância da água, das plantas, dos animais e encontrasse a sintonia com a natureza. Junto a esse povo avançado procuramos aperfeiçoar nosso conhecimento. Até esse momento nos foi dado o direito de obter alguns ensinamentos que de alguma forma vamos transmiti-los a outras pessoas, sempre em benefício da preservação do planeta, porque salvando a Terra estaremos também livrando seus habitantes de muitos sofrimentos, e temos isso como nosso dever.
─ O que mais vocês aprenderam junto a esse misterioso povo? Perguntou Caure. 
─ Viajando com eles a outros lugares no universo tomamos conhecimento de algumas realidades, desse e de outros lugares no espaço. Agora sabemos que na Terra não estamos sós. Existem outros lugares habitados por seres com as nossas mesmas características, uns mais adiantados que nós, outros que ainda precisam do nosso auxílio para evoluir.  É o caso onde os homens estão destruindo os recursos naturais, os ecossistemas e, se acabarem especialmente a água e os micro-organismos não haverá mais condições de existir vida nesse espaço, mas isso não acontecerá, pois estamos trabalhando no sentido de salvar o planeta Terra, disse Nir.
Então, Nadina explicou ao filho:
─ Partindo dessa cidade base, viajamos em naves espaciais em visita a outras moradas no sistema solar, conhecendo outros povos e outros graus de desenvolvimento moral, científico, tecnológico e espiritual. Muitas coisas que vimos ainda não podem ser reveladas, pois os terráqueos ainda não estão preparados para entender. Através do pensamento povos e luzes de lugares mais adiantados emitem ondas de energia positiva para manter o equilíbrio da Terra, inclusive afastando da orbita terrestre milhares de doenças que atingiriam esse planeta destruindo a inteligência de seres vivos. Nós somos preparados por seres evoluídos para auxiliar os terráqueos a manterem a harmonia e a paz e a passar por grandes transformações até seu povo adquirir sabedoria suficiente para entender os fenômenos da natureza. Não nos foi permitido permanecer em outros lugares mais desenvolvidos em virtude de não estarmos preparados, material e espiritualmente para tanto, mas em breve poderemos atingir esse grau de evolução. Nosso trabalho na conservação do meio ambiente já é o caminho para adquirirmos um maior grau de evolução, nos permitindo, um dia chegarmos a outros mundos habitados, naturalmente sem essa nossa matéria pesada.
Lou fez a apresentação de todos que ali estavam, dizendo serem eles cientistas pertencentes a outros mundos do sistema solar que aqui têm a missão de preparar pessoas para o trabalho de preservação ambiental e manter o equilíbrio e a paz entre os homens de compreensões difíceis.  
─ Quem e como deverão ser essas pessoas a serem instruídas? Perguntou Caure.
─ Terão que ser pessoas bem-preparadas, pois a peleja se dará em um teatro de operações onde a contenda será travada com poderosas nações, cegas pelo poder e domínio, porém será um trabalho de conscientização e nunca de confronto.  Para nós, as armas e os conflitos são coisas de um passado bem distante, respondeu Lou.
A luz do dia foi esmaecendo e com a chegada da silenciosa noite, cascatas de luz em cores envolveram o recinto onde um seleto número de pessoas recebia o convidado Caure e aguardava um pronunciamento de Lou. Num grande salão existia um globo terrestre suspenso por raios de luz, ocupando o centro do salão. Com desenvoltura Lou explanava sobre as áreas de risco marcadas no globo. Os lugares em destaque indicavam as queimadas na floresta, regiões de água poluída, especialmente no continente africano, depósitos de armas atômicas, laboratórios de armas bacteriológicas, áreas de degelo nos polos, oceanos por onde navios e submarinos transportavam ogivas nucleares entre tantos outros perigos que indicavam a situação de risco na Terra.
Naquela ocasião, Caure recebia cumprimentos daquelas misteriosas pessoas que num momento de encantamento lhe desejavam boa sorte por ser ele mais uma criatura unida ao grupo na defesa do meio-ambiente. Estava ele vivenciando um momento fascinante de pura magia. Tudo ali era encanto e lembrava-se que quando criança a mãe falava de um paraíso imaginário, onde tudo era perfeição, um lugar sagrado que abrigava as almas dos seres privilegiados que haviam vivido na Terra. Ela chamava aquele lugar de paraíso, um céu imaginário, por parecer tudo perfeito. Mas ali onde Caure se encontrava ainda não era a perfeição. 
Depois da cerimônia uma suave música celeste envolveu o espaço e Lou sentou-se ao lado de Caure. Ele se sentia extasiado pela música, pela beleza de Lou, e seu perfume suave como a brisa da noite. Os olhos da moça, cor de esmeralda se destacavam em seu corpo sedoso e macio que o fez esquecer por alguns momentos a floresta e seus habitantes. A festa continuava no salão onde centenas de pessoas conversavam, mas Lou só tinha olhos para Caure, ele era o homem mais bonito que ela havia conhecido em toda sua longa existência.
No dia anterior Lou havia feito profundas considerações sobre a natureza, adiantando que para vencer a barreira da destruição feita pelo próprio homem dependia do comportamento dele mesmo, nos próximos vinte anos. Destacou que os recursos naturais estão sendo extintos. A água está escasseando em alguns continentes, tudo levando a crer que se avizinham graves problemas ambientais. Considerava ela que pouca coisa ou quase nada o homem fez para conter a destruição. Por essa razão existe a necessidade de salvar a Terra para que ela possa completar o penúltimo ciclo e chegar a um grande desenvolvimento científico, tecnológico, espiritual e moral, preparando-se para um grande recomeço como aconteceu em outros momentos da sua história.
Lou adiantou ainda que todos os conhecimentos adquiridos pelo homem em épocas passadas estão armazenados na sua memória e são recordados de acordo com as necessidades do momento e seu processo de evolução, buscando dentro de si, a ciência para seu próprio desenvolvimento. Caure gravava todas essas informação em sua mente e, diante dos lógicos ensinamentos de Lou, estava cada vez mais consciente do valor da preservação dos recursos naturais da terra e, recordou que aquela luta era milenar. Naquele momento ele adquiriu o direito de lembrar-se de vidas passadas. Lou o fazia recordar sem traumas as vidas anteriores. Então ele percebeu que ela com toda simplicidade era mais do que uma simples criatura, era sim, uma mestra em magia, ciência e espiritualidade, e por ela sentia um fraterno amor.
Lou pertencia a uma sociedade que possuía alta evolução, vivendo num sistema onde o Estado não existia, uma sociedade sem classes, pacífica, livre, sem propriedade privada. Um povo consciente, vivendo em comunidades, buscando o equilíbrio, usando conhecimentos adquiridos desde remotas eras, quando no planeta existiram civilizações altamente desenvolvidas, capazes de conquistas que o homem de hoje apenas sonha obter. Na sua fala Lou expôs seus pensamentos sobre a natureza e o que poderia ter sido feito para salvar o meio ambiente, salientando que muitas espécies de vegetais e animais desapareceram e outras estão ameaçadas.
Os efeitos da agressão ao meio ambiente são os mais diversos; mudanças climáticas, ciclones, temporais, falta de água potável, doenças tropicais, dificuldade na produção de alimentos e consequentemente a fome. E, sobretudo o calor excessivo, destruindo a vegetação e tantos outros males que assolam o planeta em decorrência da ausência de sensibilidade ecológica do homem moderno, que mais está preocupado com armas atômicas, guerras e domínio sobre as nações menos desenvolvidas.
Caure ouviu de Lou e cientistas presentes que diversas espécies de plantas foram extintas por negligencia das autoridades responsáveis e, citou como exemplo a derrubada de florestas para dar lugar à construção de estradas, plantações, pastagens e retirada ilegal de madeira. Os incêndios criminosos são comuns, provocados por pessoas insensíveis e cruéis.
Essas pessoas esquecem que as florestas tornam a temperatura mais branda, aumentam a umidade por meio da transpiração das plantas, tornam as chuvas mais frequentes, renovam o ar atmosférico durante a fotossíntese, liberam oxigênio para o ar atmosférico, retiram o excesso de gás carbônico, diminuem a velocidade do vento e a incidência direta da chuva no solo, reduzindo a erosão. Estas são apenas algumas vantagens de manter a floresta em pé, e usá-la de maneira sustentável.
  Caure sabia que não estaria solitário na luta pela preservação dos mananciais de riquezas naturais existentes, então, lembrou-se de voltar à floresta. Trovão havia se envolvido com uma cadela e pouco ligava para o dono, seu sonho era levá-la para casa e viver feliz para sempre, mesmo sem ter a missão de procriar, pois era um encantado. Alimento e carinho não faltariam para ela em Tutoia. Consultou o dono que prontamente aceitou. Trovão era uma boa criatura; bem comportada, merecia uma boa companhia.
─ Muito espertinho, disse Caure ao cachorro.
Trovão com cara de vítima respondeu:
─ Você também arranjou uma namorada!
− Chega de conversa, vamos voltar para casa, sorrindo disse Caure.
Ao despedir-se de Lou, prometeu voltar em breve, afinal à floresta onde morava não ficava tão distante, agora conhecia o caminho, em Tutoia aguardaria a volta dos pais. Ficou surpreso quando Lou informou que ele viajaria a bordo de uma aerovime, isto é, uma grande cesta de vime que nas alturas era conduzida por uma águia gigante. Do alto, Caure contemplava os rios e a floresta, confortavelmente a bordo, em companhia de Trovão e a cadelinha Sukir.
Ao chegar a Tutoia, encontrou canoas juntinha na beira do rio, em casa na janela estavam os pais, uma surpresa promovida por Lou, Caure se sentia o homem mais feliz do mundo e pensava numa boa caçada de marrecos no rio Iere em companhia do fiel cachorro. Caure se encontrava num estágio de conhecimento do ecossistema da Amazônia que podia mostrar para a humanidade, que a solução para os problemas ecológicos é o respeito à natureza. Com as queimadas na Amazônia, cresce a emissão de partículas no ar, que têm sido levadas para outras regiões do planeta, causando o aumento da radiação solar. São tantos os malefícios causados pela agressão à natureza na Amazônia, que providências deverão ser tomadas imediatamente, Caure tinha plena consciência dessa realidade que afeta toda a humanidade.
Naquele momento, Caure deveria promover um grande esforço para se aproximar das autoridades responsáveis pela preservação da Amazônia, alertando-as sobre a importância da conservação desses bens naturais. Na floresta poderia contar com a ajuda de novos aliados, isto é, Lou, seu povo e todos os habitantes da floresta, pois tinham um compromisso de estarem ao seu lado na difícil missão. Caure sentia saudade da convivência com Lou, do seu olhar, da meiguice e da doçura, não conhecia outra ventura maior do que essas lembranças. Boas recordações que gozavam de abstrato encanto enchiam de amor o seu coração. Ele imaginava ter sido dos olhos cor de esmeralda de Lou que Deus fez nascer o dia, irradiando grandeza e luz. Caure pensava no destino que traça a caminhada dos homens no mundo. Se um dia o destino lhe concedesse a ventura de viver com Lou, tornar-se-ia a mais feliz das criaturas e, juntos construiriam um amor infinito, percorrendo o mesmo caminho. A imaginação dominava sua mente e, junto aos pais desfrutava da alegria de viver em Tutóia, mas muitos acontecimentos ainda viriam. Só o tempo, senhor absoluto do universo poderia pressagiar.


domingo, 2 de março de 2014

Sirele

Sirele

Assistindo a uma peça no majestoso Teatro da Paz em Belém do Pará, Pedro conheceu uma jovem de nome Sirele. Minutos depois conversavam animadamente; iniciado o espetáculo ficaram em silêncio. Ao saírem Pedro convidou-a para um café e ela aceitou. Pedro estranhou a moça saber o seu nome e perguntou:
− Como você sabia o meu nome?
− Isso é coisa de mulher, respondeu sorrindo.
Pedro não deu importância e continuaram falando de suas vidas. Ela com vinte e cinco anos, portanto três anos a mais do que ele, graduou-se em antropologia na USP e morava temporariamente na cidade Belém. Pedro não havia cursado faculdade, mas possuía uma boa experiência de vida, no entanto eles tinham muita coisa em comum. Desse encontro nasceu uma grande amizade.
O tempo foi passando e a cada dia Pedro se sentia mais atraído por Sirele, mulher bonita e sedutora. Iam ao cinema, teatros e restaurantes, ambos moravam no centro da cidade e isso facilitava os encontros que se prolongavam por tardes inteiras. Sirele era parte de uma família de políticos do Estado de São Paulo e conhecia algumas práticas de politicagem e isso a fazia pensar que a grande maioria dos políticos brasileiros não agia com honestidade. Pura verdade. Sendo esta uma das causas da nação se encontrar num atraso de cem anos em relação a outros países com as mesmas potencialidades. Sirele estava certa, pois o que realmente levou o País a instabilidade política foram os maus políticos e outras autoridades da República.
Pedro ouvia com atenção as longas exposições de Sirele e muita vez analisava profundamente questões políticas, econômicas, sociais, educacionais e de segurança. Políticas essas, distanciadas da realidade brasileira. Essas exposições davam a Pedro oportunidade de aprimorar conhecimentos, inclusive com boas leituras indicadas por Sirele. Por meio dela, conheceu algumas pessoas do governo; administradores do Estado, políticos e militares. Assim, pôde sondar o pensamento dos responsáveis pelo poder regional da época.
Em companhia de Sirele, Pedro visitou a encantadora  Ilha de Marajó, um lugar situado na foz do rio Amazonas, o mais extenso e caudaloso rio do planeta. Chegando a Soure, uma pequena cidade na Ilha, hospedaram-se em uma pousada. No dia seguinte visitaram uma praia deserta e lá improvisaram uma palhoça onde se abrigaram.  Na praia pescavam e assavam o peixe num também improvisado braseiro na areia junto ao mar. Estavam apaixonados e à vontade, caminhavam pelas praias de areia branca contemplando as belezas paradisíacas do lugar e, assim, se amavam com todo fervor. Quando anoitecia voltavam para a pousada montados em búfalos, ou dormiam no lugar contemplando o silêncio da noite amazônica na beira do rio mar. Exaustos, dormiam qual crianças, levando uma boa vida. Solteiros se sentiam livres para exercerem a liberdade e os prazeres da vida e, entregaram-se ao amor. Um dia, na pousada ao tomarem o café da manhã, Sirele revelou sua verdadeira identidade e contou porque ao se conhecerem sabia seu nome.
— Trabalho para uma organização recém-criada que luta contra a ditadura militar que se instalou no País. Fui mandada para sondar a possibilidade de tê-lo como membro dessa organização e trabalharmos em parceria. Nossa missão será salvar vidas, pois muitos brasileiros estão sendo presos, torturados, assassinados, outros somem sem deixar vestígios. Precisamos tirar do país algumas pessoas perseguidas pelo regime militar.
O golpe militar estava no início e o trabalho na maioria das vezes, seria resgatar personalidades perseguidas e retirá-las do País antes que fossem presas, torturadas ou assassinadas. A organização conhecia o pensamento de Pedro e apostava no seu ingresso na luta pelo restabelecimento do estado de direito. A esta organização pertencia o jornalista José Fleury, amigo de Pedro, o homem que o acolheu em seu jornal, e o incentivou a estudar e aprender os ofícios de um guerrilheiro.
No ano anterior, Pedro havia feito duas viagens a Cuba para ver de perto a realidade daquilo que tanto ouvia falar pelos simpatizantes da revolução cubana e de seus protagonistas principais, Che Guevara e Fidel Castro. Viu, observou e voltou ao Brasil sem nada falar. Na sua visita a Havana aproveitou para conhecer o povo, o governo, a história, as tradições e, em especial o modo que a revolução de Castro cuidava do seu povo. A organização sabia dos movimentos de Pedro inclusive o que ele pensava sobre política e Brasil. Sabia também que Pedro era um homem reservado, corajoso, excelente atirador e conhecedor de guerrilha e artes marciais. Sabia que ele tinha ligações com algumas autoridades e trabalhava para uma multinacional com salário alto e, dificilmente se envolveria em coisas que pudessem contrariar seus patrões nos Estados Unidos da América.
A isca, no bom sentido, foi Sirele. Pedro dificilmente não se renderia aos encantos de uma mulher bonita, sedutora e que amava o Brasil tanto quanto ele. A agente fez uma ampla exposição sobre os motivos da existência da organização e a necessidade de ter em seu quadro de agentes da inteligência com a qualificação de Pedro. Ele ponderou que precisava conhecer melhor com quem iria trabalhar e deixou para responder oportunamente. Ela aguardaria a resposta, pois sabia que ele a investigaria, mas mesmo assim continuaram tendo um bom relacionamento.
Ele teve a precaução de colher com José Fleury, informações sobre a agente. Mesmo amando-a, Pedro queria enxergar além das aparências, lição que aprendera com Fleury. Seus pares nessa organização tinham no mínimo grande admiração por Castro, e Pedro quando lá esteve, viu coisas que não gostou. Pedro observou o comportamento dos dirigentes daquela revolução, inspiração de governos no mundo inteiro, especialmente aqueles ávidos de liberdade e justiça social, coisas pouco praticadas na ilha de Cuba. Ali Pedro tomou conhecimento de algumas execuções de pessoas que não se guiavam pela cartilha do comunismo de \Moscou, e isso o fez inquirir alguns responsáveis pela guerrilha no Brasil; se houvesse uma derrocada da ditadura militar, que direção tomaria um governo instalado no Brasil, Pedro não queria sair de uma ditadura fascista para entrar numa comunista. Seu objetivo era a democracia representativa, e como era de se esperar alguns brasileiros mentiram descaradamente, afirmando serem democratas, mas a maioria não enxergava nada além de sua ganância pelo poder. Só o tempo mostraria ao povo essa realidade.
Após de alguns meses Pedro se integrou à organização participando de reuniões em São Paulo, Campinas, Santo André, Recife e Rio de Janeiro. Nessas cidades conheceu alguns líderes com os quais iria trabalhar na clandestinidade. Conhecia os riscos do ofício e pouquíssimas pessoas saberiam da sua existência como membro da organização de inteligência. Pedro comporia uma história que provavelmente jamais seria contada.
Pedro conhecia o âmago da organização, e isto o tornava um arquivo vivo. Jamais o pegariam com vida. Em confronto direto com as forças reacionárias, seria vitória ou morte e ele tinha plena consciência dessa realidade e, portanto, era um homem cauteloso em todos os momentos de sua vida; não consumia bebida alcoólica, não fumava e nas cidades não conduzia arma, andava sozinho, mas na sua retaguarda duas mulheres o seguiam, elas sim, estavam sempre armadas e alertas quando alguém se aproximava de Pedro. Não tinha pretensões políticas; sua contribuição na luta armada tinha como objetivo tão somente salvar vidas e lutar por um Brasil livre dos tentáculos da ditadura militar e do imperialismo, viesse de onde viesse.
Em missão, voltou a Cuba em companhia de Sirele, mas desta vez via México porque o governo militar não mais autorizava viagens para aquele país. Depois de muitas ações gloriosas, Sirele foi forçada a sair do Brasil e passou a morar na França onde lecionou por alguns anos numa universidade. Haviam se passado três anos. Pedro conciliava o trabalho na empresa que representava com a causa que acreditava ser em breve vitoriosa.
Com a ausência de Sirele, Pedro sentia-se solitário e embora outras pessoas o assessorassem ele não esquecia a mulher que foi só ternura em sua vida e absorto pensava:
No turbilhão dos meus pensamentos
Há sempre um rosto distante de mulher
No burburinho da existência
A mulher que quis
E meditando ainda quero
Num desejo de impetuoso amor
Ela é perfume, lembrança, graça
Alegria em minha vida
Estava ele definitivamente integrado à luta armada, cujo objetivo maior era salvar vidas, mas também, se necessário afastá-las do caminho. Sempre próximo de pessoas influentes, procurava conhecê-las de alguma forma e quando possível, trazê-las para seu raio de ação. Ganhando a confiança dessas pessoas certamente podia fazê-las entender a importância do restabelecimento da democracia no Brasil. O País precisava de paz e conciliação e profundas reformas para poder promover um desenvolvimento econômico e social. Sabia que a luta armada era penosa e conhecia a perversidade dos adversários, razão pela qual jamais lhes daria a menor chance. Suas ações eram pensadas como se fora um tabuleiro de xadrez. Estava apenas começando no anonimato uma caminhada plena de muitas aventuras, lutas, desafios, missões quase impossíveis, sofrimento e gloria.


Sereias do Solimões


            Com a memória presa em assuntos relacionados aos mistérios do mar, Vitor lembrou-se de uma história contada por um morador de um longínquo lugar nos confins da Amazônia brasileira, dissera ele que, também as águas doces dos rios, lagos e cachoeiras têm seus encantos, segredos e mistérios. Lendas ou não elas existem.
No Amazonas nas cabeceiras do rio Solimões, existiu uma nação indígena que, como todos os que moram às margens dos grandes rios, têm a pesca como seu meio de sobrevivência. Ainda hoje, existem tradições que são lembradas e, entre tantas, uma se destaca e é rememorada  com muita fé. Aqueles índios acreditavam que fazendo oferendas à rainha das águas poderiam obter em troca muita fartura e progresso para a tribo no tocante a fartura de alimentos, especialmente o peixe, alimento essencial para a população da aldeia ribeirinha.
Na época da piracema é quando os peixes se reproduzem, e em noite de lua cheia, os índios promoviam uma grande festa com danças cânticos e abundância de alimentos, especialmente de peixes. Como tradição, existia uma oferenda que consistia em entregar uma moça índia para os encantos das águas, a qual se tornaria  sereia e juntar-se-ia  a tantas outras nas profundezas das águas, ato, esse, que era aceito com muita honra por aquela privilegiada entre as moças mais belas da aldeia. O critério de escolha constituía-se em; Aceitar o sacrifício, ser virgem, e a mais formosa entre todas da aldeia.
No dia do festejo a moça vestia-se com as melhores roupas, enfeitando-se com penachos dos pássaros mais belos que existiam na floresta. Entre danças e cânticos adentrava no rio ou lago bem profundo, que segundo a crença deles, seria recebida por sereias que a conduziriam a presença da sereia mãe, a rainha das águas, nas profundezas dos rios e lagos onde vivia em seu grande castelo. Dessa forma eles acreditavam que com essa oferenda, todas as sereias dos rios e lagos mandariam para a tribo grande fartura de peixes e, para a alegria de todos, a moça índia se tornara sereia e no próximo festejo viria receber outra moça que se tornaria  mais uma sereia da fartura que mandaria em abundância mais peixes para a zagaia dos índios  pescadores. Então, as sereias também existem nos rios, lagos e florestas de todo o planeta.
─ Mas como é possível, e aceito por muitos, uma tradição dessa natureza; colocar uma mulher em plena flor da idade no fundo de um lago para satisfazer a compreensão de um povo que acredita numa crueldade dessas? Constrangida perguntou Laura.
─ Porque a natureza é assim mesmo. Nessa pequena história, a moça foi tragada pela água e, nela naturalmente sucumbiu. Não é a água que encanta a mulher, mas a crença daquele povo, e nós sabemos que a água é a própria vida. Em alguns momentos a natureza é generosa, constrói, dá a vida, noutro momento ela é mãe voraz, destruidora com cataclismos, extinção em massa; nela há vida e morte em profusão. A natureza produz tudo e tudo devora, milhões de espermas e óvulos são produzidos, flores e sementes incontáveis são produzidas e também destruídas, é a dinâmica da vida no universo comandado pela natureza. Uma terrível luta também se dá no reino vegetal; as plantas lutam para garantir um lugar ao sol, para ganhar espaço, fazem guerras químicas entre elas produzindo venenos e bactérias se opondo a outras plantas e raízes, num ciclo constante. Isso é uma reação à agressão do homem a própria natureza. Essa polarização encontra-se no próprio homem, que tem inteligência, racionalidade, amor, mas ao mesmo tempo mostra demência em profundidade.