Sereias
do Solimões
Com
a memória presa em assuntos relacionados aos mistérios do mar, Vitor lembrou-se
de uma história contada por um morador de um longínquo lugar nos confins da
Amazônia brasileira, dissera ele que, também as águas doces dos rios, lagos e
cachoeiras têm seus encantos, segredos e mistérios. Lendas ou não elas existem.
No Amazonas nas
cabeceiras do rio Solimões, existiu uma nação indígena que, como todos os que
moram às margens dos grandes rios, têm a pesca como seu meio de sobrevivência. Ainda
hoje, existem tradições que são lembradas e, entre tantas, uma se destaca e é rememorada
com muita fé. Aqueles índios acreditavam
que fazendo oferendas à rainha das águas poderiam obter em troca muita fartura
e progresso para a tribo no tocante a fartura de alimentos, especialmente o
peixe, alimento essencial para a população da aldeia ribeirinha.
Na época da piracema é quando
os peixes se reproduzem, e em noite de lua cheia, os índios promoviam uma grande
festa com danças cânticos e abundância de alimentos, especialmente de peixes. Como
tradição, existia uma oferenda que consistia em entregar uma moça índia para os
encantos das águas, a qual se tornaria sereia e juntar-se-ia a tantas outras nas profundezas das águas, ato,
esse, que era aceito com muita honra por aquela privilegiada entre as moças
mais belas da aldeia. O critério de escolha constituía-se em; Aceitar o
sacrifício, ser virgem, e a mais formosa entre todas da aldeia.
No dia do festejo a moça vestia-se
com as melhores roupas, enfeitando-se com penachos dos pássaros mais belos que
existiam na floresta. Entre danças e cânticos adentrava no rio ou lago bem
profundo, que segundo a crença deles, seria recebida por sereias que a conduziriam
a presença da sereia mãe, a rainha das águas, nas profundezas dos rios e lagos onde
vivia em seu grande castelo. Dessa forma eles acreditavam que com essa
oferenda, todas as sereias dos rios e lagos mandariam para a tribo grande
fartura de peixes e, para a alegria de todos, a moça índia se tornara sereia e
no próximo festejo viria receber outra moça que se tornaria mais uma sereia da fartura que mandaria em
abundância mais peixes para a zagaia dos índios pescadores. Então, as sereias também existem
nos rios, lagos e florestas de todo o planeta.
─ Mas como é possível, e
aceito por muitos, uma tradição dessa natureza; colocar uma mulher em plena
flor da idade no fundo de um lago para satisfazer a compreensão de um povo que
acredita numa crueldade dessas? Constrangida perguntou Laura.
─ Porque
a natureza é assim mesmo. Nessa pequena história, a moça foi tragada pela água
e, nela naturalmente sucumbiu. Não é a água que encanta a mulher, mas a crença
daquele povo, e nós sabemos que a água é a própria vida. Em alguns momentos a
natureza é generosa, constrói, dá a vida, noutro momento ela é mãe voraz, destruidora
com cataclismos, extinção em massa; nela há vida e morte em profusão. A
natureza produz tudo e tudo devora, milhões de espermas e óvulos são
produzidos, flores e sementes incontáveis são produzidas e também destruídas, é
a dinâmica da vida no universo comandado pela natureza. Uma terrível luta
também se dá no reino vegetal; as plantas lutam para garantir um lugar ao sol,
para ganhar espaço, fazem guerras químicas entre elas produzindo venenos e bactérias
se opondo a outras plantas e raízes, num ciclo constante. Isso é uma reação à
agressão do homem a própria natureza. Essa polarização encontra-se no próprio
homem, que tem inteligência, racionalidade, amor, mas ao mesmo tempo mostra
demência em profundidade.
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