domingo, 2 de março de 2014

Sereias do Solimões


            Com a memória presa em assuntos relacionados aos mistérios do mar, Vitor lembrou-se de uma história contada por um morador de um longínquo lugar nos confins da Amazônia brasileira, dissera ele que, também as águas doces dos rios, lagos e cachoeiras têm seus encantos, segredos e mistérios. Lendas ou não elas existem.
No Amazonas nas cabeceiras do rio Solimões, existiu uma nação indígena que, como todos os que moram às margens dos grandes rios, têm a pesca como seu meio de sobrevivência. Ainda hoje, existem tradições que são lembradas e, entre tantas, uma se destaca e é rememorada  com muita fé. Aqueles índios acreditavam que fazendo oferendas à rainha das águas poderiam obter em troca muita fartura e progresso para a tribo no tocante a fartura de alimentos, especialmente o peixe, alimento essencial para a população da aldeia ribeirinha.
Na época da piracema é quando os peixes se reproduzem, e em noite de lua cheia, os índios promoviam uma grande festa com danças cânticos e abundância de alimentos, especialmente de peixes. Como tradição, existia uma oferenda que consistia em entregar uma moça índia para os encantos das águas, a qual se tornaria  sereia e juntar-se-ia  a tantas outras nas profundezas das águas, ato, esse, que era aceito com muita honra por aquela privilegiada entre as moças mais belas da aldeia. O critério de escolha constituía-se em; Aceitar o sacrifício, ser virgem, e a mais formosa entre todas da aldeia.
No dia do festejo a moça vestia-se com as melhores roupas, enfeitando-se com penachos dos pássaros mais belos que existiam na floresta. Entre danças e cânticos adentrava no rio ou lago bem profundo, que segundo a crença deles, seria recebida por sereias que a conduziriam a presença da sereia mãe, a rainha das águas, nas profundezas dos rios e lagos onde vivia em seu grande castelo. Dessa forma eles acreditavam que com essa oferenda, todas as sereias dos rios e lagos mandariam para a tribo grande fartura de peixes e, para a alegria de todos, a moça índia se tornara sereia e no próximo festejo viria receber outra moça que se tornaria  mais uma sereia da fartura que mandaria em abundância mais peixes para a zagaia dos índios  pescadores. Então, as sereias também existem nos rios, lagos e florestas de todo o planeta.
─ Mas como é possível, e aceito por muitos, uma tradição dessa natureza; colocar uma mulher em plena flor da idade no fundo de um lago para satisfazer a compreensão de um povo que acredita numa crueldade dessas? Constrangida perguntou Laura.
─ Porque a natureza é assim mesmo. Nessa pequena história, a moça foi tragada pela água e, nela naturalmente sucumbiu. Não é a água que encanta a mulher, mas a crença daquele povo, e nós sabemos que a água é a própria vida. Em alguns momentos a natureza é generosa, constrói, dá a vida, noutro momento ela é mãe voraz, destruidora com cataclismos, extinção em massa; nela há vida e morte em profusão. A natureza produz tudo e tudo devora, milhões de espermas e óvulos são produzidos, flores e sementes incontáveis são produzidas e também destruídas, é a dinâmica da vida no universo comandado pela natureza. Uma terrível luta também se dá no reino vegetal; as plantas lutam para garantir um lugar ao sol, para ganhar espaço, fazem guerras químicas entre elas produzindo venenos e bactérias se opondo a outras plantas e raízes, num ciclo constante. Isso é uma reação à agressão do homem a própria natureza. Essa polarização encontra-se no próprio homem, que tem inteligência, racionalidade, amor, mas ao mesmo tempo mostra demência em profundidade. 


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