domingo, 2 de março de 2014

Sirele

Sirele

Assistindo a uma peça no majestoso Teatro da Paz em Belém do Pará, Pedro conheceu uma jovem de nome Sirele. Minutos depois conversavam animadamente; iniciado o espetáculo ficaram em silêncio. Ao saírem Pedro convidou-a para um café e ela aceitou. Pedro estranhou a moça saber o seu nome e perguntou:
− Como você sabia o meu nome?
− Isso é coisa de mulher, respondeu sorrindo.
Pedro não deu importância e continuaram falando de suas vidas. Ela com vinte e cinco anos, portanto três anos a mais do que ele, graduou-se em antropologia na USP e morava temporariamente na cidade Belém. Pedro não havia cursado faculdade, mas possuía uma boa experiência de vida, no entanto eles tinham muita coisa em comum. Desse encontro nasceu uma grande amizade.
O tempo foi passando e a cada dia Pedro se sentia mais atraído por Sirele, mulher bonita e sedutora. Iam ao cinema, teatros e restaurantes, ambos moravam no centro da cidade e isso facilitava os encontros que se prolongavam por tardes inteiras. Sirele era parte de uma família de políticos do Estado de São Paulo e conhecia algumas práticas de politicagem e isso a fazia pensar que a grande maioria dos políticos brasileiros não agia com honestidade. Pura verdade. Sendo esta uma das causas da nação se encontrar num atraso de cem anos em relação a outros países com as mesmas potencialidades. Sirele estava certa, pois o que realmente levou o País a instabilidade política foram os maus políticos e outras autoridades da República.
Pedro ouvia com atenção as longas exposições de Sirele e muita vez analisava profundamente questões políticas, econômicas, sociais, educacionais e de segurança. Políticas essas, distanciadas da realidade brasileira. Essas exposições davam a Pedro oportunidade de aprimorar conhecimentos, inclusive com boas leituras indicadas por Sirele. Por meio dela, conheceu algumas pessoas do governo; administradores do Estado, políticos e militares. Assim, pôde sondar o pensamento dos responsáveis pelo poder regional da época.
Em companhia de Sirele, Pedro visitou a encantadora  Ilha de Marajó, um lugar situado na foz do rio Amazonas, o mais extenso e caudaloso rio do planeta. Chegando a Soure, uma pequena cidade na Ilha, hospedaram-se em uma pousada. No dia seguinte visitaram uma praia deserta e lá improvisaram uma palhoça onde se abrigaram.  Na praia pescavam e assavam o peixe num também improvisado braseiro na areia junto ao mar. Estavam apaixonados e à vontade, caminhavam pelas praias de areia branca contemplando as belezas paradisíacas do lugar e, assim, se amavam com todo fervor. Quando anoitecia voltavam para a pousada montados em búfalos, ou dormiam no lugar contemplando o silêncio da noite amazônica na beira do rio mar. Exaustos, dormiam qual crianças, levando uma boa vida. Solteiros se sentiam livres para exercerem a liberdade e os prazeres da vida e, entregaram-se ao amor. Um dia, na pousada ao tomarem o café da manhã, Sirele revelou sua verdadeira identidade e contou porque ao se conhecerem sabia seu nome.
— Trabalho para uma organização recém-criada que luta contra a ditadura militar que se instalou no País. Fui mandada para sondar a possibilidade de tê-lo como membro dessa organização e trabalharmos em parceria. Nossa missão será salvar vidas, pois muitos brasileiros estão sendo presos, torturados, assassinados, outros somem sem deixar vestígios. Precisamos tirar do país algumas pessoas perseguidas pelo regime militar.
O golpe militar estava no início e o trabalho na maioria das vezes, seria resgatar personalidades perseguidas e retirá-las do País antes que fossem presas, torturadas ou assassinadas. A organização conhecia o pensamento de Pedro e apostava no seu ingresso na luta pelo restabelecimento do estado de direito. A esta organização pertencia o jornalista José Fleury, amigo de Pedro, o homem que o acolheu em seu jornal, e o incentivou a estudar e aprender os ofícios de um guerrilheiro.
No ano anterior, Pedro havia feito duas viagens a Cuba para ver de perto a realidade daquilo que tanto ouvia falar pelos simpatizantes da revolução cubana e de seus protagonistas principais, Che Guevara e Fidel Castro. Viu, observou e voltou ao Brasil sem nada falar. Na sua visita a Havana aproveitou para conhecer o povo, o governo, a história, as tradições e, em especial o modo que a revolução de Castro cuidava do seu povo. A organização sabia dos movimentos de Pedro inclusive o que ele pensava sobre política e Brasil. Sabia também que Pedro era um homem reservado, corajoso, excelente atirador e conhecedor de guerrilha e artes marciais. Sabia que ele tinha ligações com algumas autoridades e trabalhava para uma multinacional com salário alto e, dificilmente se envolveria em coisas que pudessem contrariar seus patrões nos Estados Unidos da América.
A isca, no bom sentido, foi Sirele. Pedro dificilmente não se renderia aos encantos de uma mulher bonita, sedutora e que amava o Brasil tanto quanto ele. A agente fez uma ampla exposição sobre os motivos da existência da organização e a necessidade de ter em seu quadro de agentes da inteligência com a qualificação de Pedro. Ele ponderou que precisava conhecer melhor com quem iria trabalhar e deixou para responder oportunamente. Ela aguardaria a resposta, pois sabia que ele a investigaria, mas mesmo assim continuaram tendo um bom relacionamento.
Ele teve a precaução de colher com José Fleury, informações sobre a agente. Mesmo amando-a, Pedro queria enxergar além das aparências, lição que aprendera com Fleury. Seus pares nessa organização tinham no mínimo grande admiração por Castro, e Pedro quando lá esteve, viu coisas que não gostou. Pedro observou o comportamento dos dirigentes daquela revolução, inspiração de governos no mundo inteiro, especialmente aqueles ávidos de liberdade e justiça social, coisas pouco praticadas na ilha de Cuba. Ali Pedro tomou conhecimento de algumas execuções de pessoas que não se guiavam pela cartilha do comunismo de \Moscou, e isso o fez inquirir alguns responsáveis pela guerrilha no Brasil; se houvesse uma derrocada da ditadura militar, que direção tomaria um governo instalado no Brasil, Pedro não queria sair de uma ditadura fascista para entrar numa comunista. Seu objetivo era a democracia representativa, e como era de se esperar alguns brasileiros mentiram descaradamente, afirmando serem democratas, mas a maioria não enxergava nada além de sua ganância pelo poder. Só o tempo mostraria ao povo essa realidade.
Após de alguns meses Pedro se integrou à organização participando de reuniões em São Paulo, Campinas, Santo André, Recife e Rio de Janeiro. Nessas cidades conheceu alguns líderes com os quais iria trabalhar na clandestinidade. Conhecia os riscos do ofício e pouquíssimas pessoas saberiam da sua existência como membro da organização de inteligência. Pedro comporia uma história que provavelmente jamais seria contada.
Pedro conhecia o âmago da organização, e isto o tornava um arquivo vivo. Jamais o pegariam com vida. Em confronto direto com as forças reacionárias, seria vitória ou morte e ele tinha plena consciência dessa realidade e, portanto, era um homem cauteloso em todos os momentos de sua vida; não consumia bebida alcoólica, não fumava e nas cidades não conduzia arma, andava sozinho, mas na sua retaguarda duas mulheres o seguiam, elas sim, estavam sempre armadas e alertas quando alguém se aproximava de Pedro. Não tinha pretensões políticas; sua contribuição na luta armada tinha como objetivo tão somente salvar vidas e lutar por um Brasil livre dos tentáculos da ditadura militar e do imperialismo, viesse de onde viesse.
Em missão, voltou a Cuba em companhia de Sirele, mas desta vez via México porque o governo militar não mais autorizava viagens para aquele país. Depois de muitas ações gloriosas, Sirele foi forçada a sair do Brasil e passou a morar na França onde lecionou por alguns anos numa universidade. Haviam se passado três anos. Pedro conciliava o trabalho na empresa que representava com a causa que acreditava ser em breve vitoriosa.
Com a ausência de Sirele, Pedro sentia-se solitário e embora outras pessoas o assessorassem ele não esquecia a mulher que foi só ternura em sua vida e absorto pensava:
No turbilhão dos meus pensamentos
Há sempre um rosto distante de mulher
No burburinho da existência
A mulher que quis
E meditando ainda quero
Num desejo de impetuoso amor
Ela é perfume, lembrança, graça
Alegria em minha vida
Estava ele definitivamente integrado à luta armada, cujo objetivo maior era salvar vidas, mas também, se necessário afastá-las do caminho. Sempre próximo de pessoas influentes, procurava conhecê-las de alguma forma e quando possível, trazê-las para seu raio de ação. Ganhando a confiança dessas pessoas certamente podia fazê-las entender a importância do restabelecimento da democracia no Brasil. O País precisava de paz e conciliação e profundas reformas para poder promover um desenvolvimento econômico e social. Sabia que a luta armada era penosa e conhecia a perversidade dos adversários, razão pela qual jamais lhes daria a menor chance. Suas ações eram pensadas como se fora um tabuleiro de xadrez. Estava apenas começando no anonimato uma caminhada plena de muitas aventuras, lutas, desafios, missões quase impossíveis, sofrimento e gloria.


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