Sirele
Assistindo a uma
peça no majestoso Teatro da Paz em Belém do Pará, Pedro conheceu uma jovem de
nome Sirele. Minutos depois conversavam animadamente; iniciado o espetáculo
ficaram em silêncio. Ao saírem Pedro convidou-a para um café e ela aceitou. Pedro
estranhou a moça saber o seu nome e perguntou:
− Como você sabia o
meu nome?
− Isso é coisa de
mulher, respondeu sorrindo.
Pedro não deu
importância e continuaram falando de suas vidas. Ela com vinte e cinco anos,
portanto três anos a mais do que ele, graduou-se em antropologia na USP e
morava temporariamente na cidade Belém. Pedro não havia cursado faculdade, mas
possuía uma boa experiência de vida, no entanto eles tinham muita coisa em
comum. Desse encontro nasceu uma grande amizade.
O
tempo foi passando e a cada dia Pedro se sentia mais atraído por Sirele, mulher
bonita e sedutora. Iam ao cinema, teatros e restaurantes, ambos moravam no
centro da cidade e isso facilitava os encontros que se prolongavam por tardes
inteiras. Sirele era parte de uma família de políticos do Estado de São Paulo e
conhecia algumas práticas de politicagem e isso a fazia pensar que a grande
maioria dos políticos brasileiros não agia com honestidade. Pura verdade. Sendo
esta uma das causas da nação se encontrar num atraso de cem anos em relação a
outros países com as mesmas potencialidades. Sirele estava certa, pois o que
realmente levou o País a instabilidade política foram os maus políticos e
outras autoridades da República.
Pedro ouvia com
atenção as longas exposições de Sirele e muita vez analisava profundamente questões
políticas, econômicas, sociais, educacionais e de segurança. Políticas essas, distanciadas
da realidade brasileira. Essas exposições davam a Pedro oportunidade de
aprimorar conhecimentos, inclusive com boas leituras indicadas por Sirele. Por
meio dela, conheceu algumas pessoas do governo; administradores do Estado,
políticos e militares. Assim, pôde sondar o pensamento dos responsáveis pelo
poder regional da época.
Em companhia de
Sirele, Pedro visitou a encantadora Ilha
de Marajó, um lugar situado na foz do rio Amazonas, o mais extenso e caudaloso
rio do planeta. Chegando a Soure, uma pequena cidade na Ilha, hospedaram-se em
uma pousada. No dia seguinte visitaram uma praia deserta e lá improvisaram uma
palhoça onde se abrigaram. Na praia
pescavam e assavam o peixe num também improvisado braseiro na areia junto ao
mar. Estavam apaixonados e à vontade, caminhavam pelas praias de areia branca
contemplando as belezas paradisíacas do lugar e, assim, se amavam com todo
fervor. Quando anoitecia voltavam para a pousada montados em búfalos, ou
dormiam no lugar contemplando o silêncio da noite amazônica na beira do rio
mar. Exaustos, dormiam qual crianças, levando uma boa vida. Solteiros se
sentiam livres para exercerem a liberdade e os prazeres da vida e,
entregaram-se ao amor. Um dia, na pousada ao tomarem o café da manhã, Sirele
revelou sua verdadeira identidade e contou porque ao se conhecerem sabia seu
nome.
— Trabalho para uma organização recém-criada
que luta contra a ditadura militar que se instalou no País. Fui mandada para
sondar a possibilidade de tê-lo como membro dessa organização e trabalharmos em
parceria. Nossa missão será salvar vidas, pois muitos brasileiros estão sendo
presos, torturados, assassinados, outros somem sem deixar vestígios. Precisamos
tirar do país algumas pessoas perseguidas pelo regime militar.
O golpe militar
estava no início e o trabalho na maioria das vezes, seria resgatar
personalidades perseguidas e retirá-las do País antes que fossem presas,
torturadas ou assassinadas. A organização conhecia o pensamento de Pedro e
apostava no seu ingresso na luta pelo restabelecimento do estado de direito. A
esta organização pertencia o jornalista José Fleury, amigo de Pedro, o homem
que o acolheu em seu jornal, e o incentivou a estudar e aprender os ofícios de
um guerrilheiro.
No ano anterior,
Pedro havia feito duas viagens a Cuba para ver de perto a realidade daquilo que
tanto ouvia falar pelos simpatizantes da revolução cubana e de seus protagonistas
principais, Che Guevara e Fidel Castro. Viu, observou e voltou ao Brasil sem
nada falar. Na sua visita a Havana aproveitou para conhecer o povo, o governo,
a história, as tradições e, em especial o modo que a revolução de Castro
cuidava do seu povo. A organização sabia dos movimentos de Pedro inclusive o
que ele pensava sobre política e Brasil. Sabia também que Pedro era um homem
reservado, corajoso, excelente atirador e conhecedor de guerrilha e artes
marciais. Sabia que ele tinha ligações com algumas autoridades e trabalhava
para uma multinacional com salário alto e, dificilmente se envolveria em coisas
que pudessem contrariar seus patrões nos Estados Unidos da América.
A isca, no bom sentido, foi Sirele. Pedro
dificilmente não se renderia aos encantos de uma mulher bonita, sedutora e que
amava o Brasil tanto quanto ele. A agente fez uma ampla exposição sobre os
motivos da existência da organização e a necessidade de ter em seu quadro de
agentes da inteligência com a qualificação de Pedro. Ele ponderou que precisava
conhecer melhor com quem iria trabalhar e deixou para responder oportunamente.
Ela aguardaria a resposta, pois sabia que ele a investigaria, mas mesmo assim
continuaram tendo um bom relacionamento.
Ele teve a precaução de colher com José Fleury,
informações sobre a agente. Mesmo amando-a, Pedro queria enxergar além das
aparências, lição que aprendera com Fleury. Seus pares nessa organização tinham
no mínimo grande admiração por Castro, e Pedro quando lá esteve, viu coisas que
não gostou. Pedro observou o comportamento dos dirigentes daquela revolução,
inspiração de governos no mundo inteiro, especialmente aqueles ávidos de
liberdade e justiça social, coisas pouco praticadas na ilha de Cuba. Ali Pedro
tomou conhecimento de algumas execuções de pessoas que não se guiavam pela
cartilha do comunismo de \Moscou, e isso o fez inquirir alguns responsáveis
pela guerrilha no Brasil; se houvesse uma derrocada da ditadura militar, que
direção tomaria um governo instalado no Brasil, Pedro não queria sair de uma
ditadura fascista para entrar numa comunista. Seu objetivo era a democracia
representativa, e como era de se esperar alguns brasileiros mentiram
descaradamente, afirmando serem democratas, mas a maioria não enxergava nada
além de sua ganância pelo poder. Só o tempo mostraria ao povo essa realidade.
Após de alguns meses Pedro se integrou à
organização participando de reuniões em São Paulo, Campinas, Santo André,
Recife e Rio de Janeiro. Nessas cidades conheceu alguns líderes com os quais
iria trabalhar na clandestinidade. Conhecia os riscos do ofício e pouquíssimas
pessoas saberiam da sua existência como membro da organização de inteligência.
Pedro comporia uma história que provavelmente jamais seria contada.
Pedro conhecia o âmago da organização, e isto
o tornava um arquivo vivo. Jamais o pegariam com vida. Em confronto direto com
as forças reacionárias, seria vitória ou morte e ele tinha plena consciência
dessa realidade e, portanto, era um homem cauteloso em todos os momentos de sua
vida; não consumia bebida alcoólica, não fumava e nas cidades não conduzia
arma, andava sozinho, mas na sua retaguarda duas mulheres o seguiam, elas sim,
estavam sempre armadas e alertas quando alguém se aproximava de Pedro. Não
tinha pretensões políticas; sua contribuição na luta armada tinha como objetivo
tão somente salvar vidas e lutar por um Brasil livre dos tentáculos da ditadura
militar e do imperialismo, viesse de onde viesse.
Em missão, voltou a Cuba em companhia de
Sirele, mas desta vez via México porque o governo militar não mais autorizava
viagens para aquele país. Depois de muitas ações gloriosas, Sirele foi forçada
a sair do Brasil e passou a morar na França onde lecionou por alguns anos numa
universidade. Haviam se passado três anos. Pedro conciliava o trabalho na
empresa que representava com a causa que acreditava ser em breve vitoriosa.
Com a ausência de Sirele, Pedro sentia-se
solitário e embora outras pessoas o assessorassem ele não esquecia a mulher que
foi só ternura em sua vida e absorto pensava:
No turbilhão dos meus pensamentos
Há sempre um rosto distante de mulher
No burburinho da existência
A mulher que quis
E meditando ainda quero
Num desejo de impetuoso amor
Ela é perfume, lembrança, graça
Alegria em minha vida
Estava
ele definitivamente integrado à luta armada, cujo objetivo maior era salvar
vidas, mas também, se necessário afastá-las do caminho. Sempre próximo de
pessoas influentes, procurava conhecê-las de alguma forma e quando possível,
trazê-las para seu raio de ação. Ganhando a confiança dessas pessoas certamente
podia fazê-las entender a importância do restabelecimento da democracia no
Brasil. O País precisava de paz e conciliação e profundas reformas para poder
promover um desenvolvimento econômico e social. Sabia que a luta armada era
penosa e conhecia a perversidade dos adversários, razão pela qual jamais lhes
daria a menor chance. Suas ações eram pensadas como se fora um tabuleiro de
xadrez. Estava apenas começando no anonimato uma caminhada plena de muitas
aventuras, lutas, desafios, missões quase impossíveis, sofrimento e gloria.
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