segunda-feira, 28 de março de 2016

A Adoção

 
A infância de Pedro foi marcada por acontecimentos fortes que muito contribuíram para, no curso de sua vida, tornar-se um homem solidário forjando um forte caráter. Ainda criança vivenciou o sofrimento e a morte do irmão Israel. Um menino de oito anos que vivia feliz em seu mundo de imaginação e ternura. Subia a montanha para contemplar o vale, os prados e a revoada dos pássaros sobre o imenso sertão, espetáculo que acontecia com frequência nos meses de maio e junho, período de colheita de mel nas encostas das montanhas. Na fazenda, assistia as vaquejadas, corridas de cavalos e brincadeiras com gangorras. Era então, uma época de bonança e prosperidade no sertão. No entanto, ao longo de uma estiagem as fontes d’água se esgotaram, e consequentemente a vegetação secou, os animais morreram, e a alimentação escasseou.  Israel perdeu a alegria para exercer as brincadeiras de criança e permanecia na esperança que o pai regressasse da caatinga trazendo algum alimento, mesmo que fosse um preá, um passarinho ou até a raiz de algum vegetal resistente à seca, que servisse de alimento. O pouco alimento que obtinham era dividido entre a família, sem esquecer-se dos vizinhos, também famintos. Algumas vezes a mãe cedia seu alimento para um filho permanecendo sem alimentação. Ao anoitecer se reuniam no terreiro da casa, sob a luz da lua e estrelas, agradecendo a Deus por ainda estarem vivos. Quando não existiam possibilidades de sobrevivência nesse lugar, o pai se ausentou procurando uma fonte de renda em uma frente de trabalho mantida pelo governo. Precisava trabalhar receber o pagamento que seria efetuado em alimentos e voltar a tempo de encontrar a família incólume. Com a viagem do pai a família permaneceu aguardando seu regresso, mas após alguns dias, Israel já debilitado, tendo frequentes desmaios, e ao voltar à consciência dizia para a mãe que o céu era lindo e que ela não perdesse o ânimo, pois o pai voltaria. Em dado momento Israel não resistiu e faleceu. Dias depois quando o pai voltou em socorro da família, o corpo do filho estava sepultado próximo a uma frondosa aroeira. O pai, ajoelhado ao pé da árvore, agradecia a Deus por ainda estarem vivos os outros membros da família. O sertanejo tinha um semblante de sofrimento e dor, com olhos umedecidos contemplava o campo que outrora fora colorido pela relva, flores e borboletas. Mesmo assim amava o lugar, era sua terra, sua morada, seu sertão, seu mundo. O valente homem com olhos fixos no Sol pedia para enxergar o caminho. Ele possuía inabalável fé em Deus e sabia não estar sozinho. Diante daquele cenário de desalento, o casal fez uma avaliação e concluiu que necessitava tomar uma decisão, embora difícil, mas que poderia amenizar a angústia. Os pais resolveram dar para adoção o filho Pedro. Temiam que ele, mesmo sendo um garoto sadio, tivesse o mesmo destino do outro filho, que não resistiu à estiagem. Existia uma família com condições financeiras para criar Pedro que  havia demonstrado interesse em adotá-lo. Seus pais, que antes resistiram à ideia, agora pensavam em salvar a vida do menino, por saberem que o filho seria alimentado e salvo da morte por inanição. Os pais tinham consciência que aquela decisão seria a mais difícil de suas vidas. Era noite e Pedro dormia. Os pais conversavam baixinho, a mãe chorava embora convicta que aquela seria a melhor solução. O pai a consolava, dizendo que seria melhor para o menino. Ao amanhecer a cigarra cantando anunciava um dia sem chuva e calor abrasador. A mãe olhando o filho famélico, nada possuía para saciar-lhe a fome. O pai no terreiro fitava o Sol dizendo:  — Oh! Deus Sol, abençoa-me, faz cessar minhas lágrimas e angústias, ilumina meu caminho, preciso de força e coragem. O homem falava com Deus pedindo sua compreensão por ter que tomar aquela deliberação. Ele não se sentia desamparado por Deus, mas sofria com os olhos pejados de lágrimas. No entanto, firmava o pensamento querendo resolver o impasse. Ao romper da aurora, sem pressa  o casal caminhava numa estrada estreita entre arbustos secos e contorcidos pelo intenso calor. Ao longo da estrada avistavam-se carcaças de animais que haviam perecido pelos efeitos da seca, calangos buliam nas folhas debaixo das árvores mortas, no alto o Sol parecia uma manopla de fogo.  O pai seguindo à frente, Pedro ao lado com passos curtinhos de criança, ainda não entendia porque havia deixado para trás, a casa e os irmãos. A mãe amiudava os passos, por não ter pressa nem lágrimas, e caminhava lentamente, mas era forte qual pau de aroeira. O menino, ora ao lado do pai, ora da mãe, ou nos braços de ambos, não entendia o porquê de tanta aflição. O coração batia forte, sentindo medo de se separar dos pais. Na sua compreensão se houvesse uma separação seria o fim de sua vida. A mãe havia falado que ele ficaria apenas por uns dias morando na casa de dona Mendonça e com a chegada da chuva voltaria para casa, porém Pedro se sentia rejeitado e chorava baixinho para ninguém ouvir seu lamento, tinha aprendido que homem não chora. Mera ilusão. A mãe abraçava o filho, sentindo o pulsar do corpinho raquítico naquele momento de tristeza. Havia perdido um filho e sentia estar perdendo outro. Chegara o momento de entregar Pedro para adoção, o que lhe magoava o coração tão sofrido. Depois de uma curva na estrada, avistaram uma casa branca de varanda com algumas roseiras e a mãe falou para si mesma: — Como ela pode ter uma roseira, se não temos água nem para saciar nossa sede? ─ Tudo que eu não queria está se consumando, falou baixinho para si. A mãe não tinha lagrimas para chorar, apenas baixinho articulava palavras. Finalmente pararam, e em silêncio entreolharam-se, mantiveram-se calados e, a chorar se abraçaram. Dona Felina, a mãe, não queria aquela separação, as poucas lágrimas que surgiram molhavam seu rosto cansado. Ela não reclamava, apenas chorava por ter de abdicar do filho, mas em seu coração de mãe amorosa existia alguma esperança. Talvez dona Mendonça tivesse mudado de ideia ou não estivesse em casa, mil pensamentos borbulhavam sua mente esperançosa e valente. — Santíssima mãe escuta minhas preces, me poupa dessa aflição! Rogava a aflita mãe.
De repente o céu foi tomado por nuvens pesadas com relâmpagos e trovões anunciando uma chuva. Extasiados contemplavam a força da natureza. Havia dois anos que não chovia. Subitamente nasceu entre eles uma infinita esperança, uma extraordinária força, uma nova perspectiva, a chuva, a água, a vida. Surgiu do mar de lágrimas daquela mãe uma imensa felicidade. Pingos d’água se espargiam sobre eles quais fragmentos de vida.  A água penetrava na terra gretada da estrada. Momentos depois, molhados, famintos, abraçados, felizes e sorrindo caminhavam de volta para casa. O menino corria à frente dos pais com um corpinho macérrimo, esfaimado, mas cheio de esperança e alegria, sentindo o cheiro da chuva ofertada pela natureza. No sertão é assim, quando chove tudo se renova, todos voltam para suas casas, para plantar a semente do milho e do feijão. A esperança renasce, os campos enverdecem, as flores desabrocham, os homens e animais se alegram com a mudança. A chuva transformou o lugar estéril num gracioso vergel entre campos verdejantes e floridos. A catingueira florou, as roseiras se abriram e, na encosta da montanha, os ipês  mostraram flores lilás, azuis e amarelas. Os pássaros cantando anunciavam um novo momento de progresso no curso do tempo. Criança ainda, Pedro sabia que aquela manifestação era obra do Criador mostrando sua sublime grandeza. Permaneceram no sertão por algum tempo voltando a usufruir de tudo que possuíam antes; plantações de milho, feijão, algodão, um açude com muita água, gado, cabras, ovelhas pastando no campo e a alegria de ser feliz. Nas noites lindas naquele belo lugar, especialmente em dias de lua cheia, quando a vitoriosa família se reunia no terreiro da velha casa de tijolo aparente ao resplendor da luz da lua. O pai, dedilhando as cordas de um violão, tocava lindas canções sertanejas. Contavam belas histórias lembrando como haviam sido vitoriosos diante dos desafios e como havia sido fácil vencer. A mãe contemplava o céu estrelado, lembrando-se das palavras do filho Israel que havia partido: — Mãe, o céu é tão lindo! O pai ao dedilhar as cordas do violão falava palavras que lhe vinham à mente congestionada por sentimentos de vitória e gratidão ao Criador:
Na venturosa e efêmera vida
Quando em matéria densa
Do imortal espírito
O sofrimento é  a semente
O fruto é a esplendorosa salvação
Da consciência de todas as existências
Que acolhe inumeráveis recordações
De ditosas passagens pela terra
Caminho para desvendar mistérios
Nas mansões do infinito Universo
Numa ternura que alenta a vida
Por uma sublime e nova lição
Desarraigando as imperfeições
Buscando a felicidade e alegria
A Bem-aventurança.

 

quinta-feira, 17 de março de 2016

Abigail

Abigail era uma  belíssima mulher admirada por muitos rapazes na cidade onde vivia. Em suas reflexões havia descoberto o poder da palavra que tangida pelo pensamento poderia transformar sua vida e, assim mantinha  firme determinação de tornar-se uma mulher ricamente poderosa pelo exercício dos pensamentos e palavras positivas. Abigail era uma jovem bem sucedida trabalhando como vendedora numa loja do interior do seu Estado. Com presteza e dedicação atendia os clientes, e em momentos de lazer, incessantemente pensava e escrevia, Hei de vencer, repetindo essas palavras todos os dias, mantendo sua mente ocupada em planos futuros quando se tornasse milionária. Certo dia descobriu que o comércio de madeira nobre era um bom negócio e começou a exportar madeira, e em poucos anos havia construído um grande patrimônio, tornando-se a mulher bela e poderosa  que sempre sonhou. Abigail tinha quarenta e dois anos de idade e lembrou-se que havia chegado o momento de constituir uma família. Casou-se com Leonardo um rapaz de baixa renda com apenas dezoito anos de idade. Abigail não considerou a questão da diferença de idade visto que desejava casar com um homem mais novo, vigoroso, inteligente e de boa índole com capacidade para gerir sua empresa. Ao assumir o empreendimento Leonardo teve um bom desempenho e logo se tornou um hábil empreendedor comandando todos os negócios e também desviando recursos para si e terceiros levando a empresa à falência mostrando que não possuía todas as qualidades que Abigail enxergara. Leonardo foi embora, e Abigail perdeu tudo, voltando a sua antiga profissão de vendedora. Será que Abigail se esqueceu de alguma coisa colhida  nas suas meditações?

sábado, 12 de março de 2016

O Pensamento



 

O homem comum dorme alimenta-se e procria tal qual fazem outros animais, entretanto, o homem que busca o conhecimento e a felicidade; repousa, alimenta-se, procria, possui ideias, emoções, pensamentos e sentimentos. Sendo o grande segredo saber adquirir bons sentimentos que enobreçam sua existência exercitando e transformando para melhor o pensamento, sendo esse o atributo mais nobre e misterioso do espírito. Quando ainda não conhecemos a grandeza do pensamento, imaginamos ser uma coisa muito simples, no entanto o pensamento é dotado de uma imensa complexidade. Aí ficamos a imaginar; como pode ser tão simples se o usamos a toda hora? A verdade é que não é tão simples como às vezes imaginamos, porque nós somos o que pensamos, sendo o pensamento a extensão do espírito. Podemos até fazer alguma coisa sem refletir, mas jamais sem pensar. Em busca da felicidade o homem constrói em torno de si uma muralha e dentro se encastela criando um mundo volátil interior construindo um ser, sem observar a formação dos sentimentos distanciados da realidade da sua construção. Nesse castelo o homem armazena ideias e emoções trazidas por pensamentos que não foram filtrados ao chegarem a sua consciência. Assim, o segredo é filtrar no coração os pensamentos negativos transformando-os em pensamentos positivos e construtivos rejeitando os negativos. Com pensamentos positivos podemos construir boas ideias, boas emoções e consequentemente sentimentos elevados na construção do ser. Quando pensamos o que estamos pensando logo descobrimos que o pensamento sadio traz boas ideias e emoções, formando nobres sentimentos. Somos transmissores e receptores tal uma emissora que transmite e recebe sinais, mas para termos domínio sobre o que o pensamento captura e traz para a mente é preciso disciplina-lo, pois o que pensamos toma forma, tornando-se real. Então podemos começar buscando ideias positivas e emoções pautadas na racionalidade. Podemos fazer isso com um mínimo de esforço pela poderosa força do querer. Surgindo na mente uma ideia negativa transforme-a em positiva e dê a ela uma emoção também positiva e terá um pensamento saudável, obtendo um sentimento nobiliárquico. Com um não ao negativo ou um sim ao positivo podemos mudar nossa vida para melhor e viver um sonho de alegria e esplendores. Tudo nasce no pensamento; a guerra, a paz a desconstrução, a construção, o ódio, o amor, escuridão, a luz. É no pensamento que se formam mazelas, virtudes, doenças, curas, saúde e as terapêuticas, enfim, criamos aquilo que pensamos e somos o que pensamos. Com o pensamento formamos nossa realidade, cuidando para que o pensamento não crie abismos em nossa vida. A poderosíssima força do querer direciona o pensamento, criando uma forma viva podendo essa ser materializada. Os bons pensamentos nos proporcionam sentimentos elevados, verdadeiros diamantes que o Criador nos concede a todo o momento, banhando nosso coração na luz singular da natureza, tingindo de brilho e harmonia nossa vida nesse grande reino da criação.

segunda-feira, 7 de março de 2016

OITO DE MARÇO


Você é a mais pura e sublime manifestação do Criador
É a Inspiração grandiosa da natureza Divina
Que de Deus recebeu a magnífica missão
De ser mãe amorosa e a mais terna das criaturas
Concebendo um ser, uma luz, a vida
Mistério maior da sagrada criação
Acarinhando seus filhos com ternura e amor
Docemente trazendo felicidade e alegria
Sem alarde afastando a espinhosa dor
Desejo-lhe a beleza da chuva na varanda salpicando a flor
A paz de uma garça sobrevoando um manso ribeiro
Desejo que a  mais bela estrela seja sempre sua guia
Que o seu pensamento de mãe amorosa
Conduza-lhe as mais belas mansões do Criador
Desejo a pureza do sorriso de uma criança beijando uma flor
Uma campina de flores perfumando seu sorriso encantador
Uma amorosa  manhã ensolarada sorrindo de alegria
Um jardim de risos e flores e a melodia das fontes
Saúde, prosperidade e longa vida de luz, paz e amor.
Beleza, ternura, amor, Mulher.

 

 

 

terça-feira, 1 de março de 2016

A Montanha


 

 
Talvez a expectativa de chegar à montanha do Frade tornasse a estrada alongada, eu ainda guardava na lembrança algumas coisas misteriosas que na montanha encontrei ainda no tempo de menino quando nela subia acompanhado por meu cachorro Burlante conduzindo as ovelhas para o platô no alto da montanha. Abri os vidros do carro para sentir o cheiro característico do sertão. Pedi para Emanuel dirigir para que eu pudesse admirar a paisagem sertaneja de inesquecíveis lembranças. Observando a terra gretada, avistei uma casinha de taipa,  em poucos minutos cresceu no meu olhar, ao cruzá-la enxerguei animaizinhos pastando e, pessoas olhando nossa passagem. Baixinho disse para mim mesmo: lugar simples, onde vivem pessoas felizes! Aonde a felicidade vive, sofrimento não faz morada. ─ Lembra-se desse lugar? Perguntou Emanuel. ─Sim, é  Santa Quitéria,  enfeitada de Bouganwiles. Nesse lugar fui tropeiro e boiadeiro, usando chapéu de couro, gibão e peixeira no cinto, sorrindo respondi.  ─ Aqui almoçaremos, pois tem uma coisa que você gosta: Mel, pão de batata e queijo, adiantou. Para o almoço sentamo-nos à mesa e espontaneamente as pessoas falavam e sorriam forte, logo percebi estar no acolhedor sertão cearense.

Voltamos à estrada viajando a baixa velocidade admirando o cenário que conheci quando menino. Num trecho da estrada reconheci que um dia nesse lugar fui iluminado por uma misteriosa estrela que até hoje e sempre vem norteando a minha vida. Falei com Deus chorando de felicidade e alegria. Na estrada, mesmo olhando amiúde não enxerguei as plantas rasteiras características do sertão que até na seca brotam alimentadas pelos nutrientes da lua. No entanto encontrei: Marmeleiro, Emburana, Juazeiro, Aroeira, Umbu, Catingueira e outros. Alguns ainda com folhas verdes. Ao meio dia escutei distante, o cantar de um bem-te-vi, perdido no imenso sertão seco e montanhoso. À beira da estrada cigarras protegidas por galhos ressequidos cantavam anunciando uma tarde quente. Calangos atravessavam a estrada marcando presença na melancólica paisagem. Cheguei a uma tapera, outrora fazenda dos caetanos, só encontrando destruição; ossadas de gado, casa destruída, um pequeno cemitério com cruzes derrubadas e sepulturas violadas por roedores. Pensando na coragem e também no infortúnio do sertanejo, segui viagem chegando ao Frade, próximo da montanha, lugar onde vivi. Estava diante da uma centenária casa de tijolo aparente erguida há cem anos entre montanhas rochosas, onde a natureza me fez nascer iniciando minha caminhada nessa encarnação de causalidade e grandes venturas. ─Tio! Você quer mesmo ficar nesse lugar?Indagou Emanuel. Sim garoto, pois tenho pendências a resolver. ─ Suas coisas estão arrumadas nessa sala maior, o pote está cheio d’água. Eu preciso voltar a capital. Amanhã cedo tenho muito  trabalho, se você não der notícias em 72 horas Voltarei, disse \Emanuel. Despedimos-nos, ele preocupado com a minha segurança e eu feliz por tudo está dando certo conforme planejei.

 Nos primeiros momentos ao visitar as dependências da velha casa vi o passado erguer-se diante de mim, num ambiente envelhecido pelo tempo, mas bem conservado. Um fato significativo se revelou quando encontrei um fogão à lenha usado por minha mãe ao fazer o primeiro café da manhã, deixando sobre o fogão um bule para quem chegasse beber café quentinho, enquanto meu pai cuidava do gado no curral. Com os olhos pejados de lágrimas voltei ao alpendre, e permaneci mirando a montanha que havia escalado quando menino acompanhado por meu cachorro burlante. Eu sabia que aquela montanha tinha importante significado para mim. Naquele instante sentia grande emoção por tudo que ali vivi em companhia da mais amorosa mulher da minha vida, minha adorada mãe. Agora, olhando fixo para a montanha não saia da minha memória a lembrança das vezes que com ela conduzindo as ovelhas, subi a montanha e na volta, no riacho ouvindo o murmúrio da água na correnteza  ela sorrindo me cobria de carícias, afagos e beijos.

À tarde fagueira surgiu mansamente,  no alto o sol brilhava qual labaredas de fogo. Lembrei-me quando a família se reunia às tardes de domingo para assistir a beleza do sol poente. Tinha presente no sacrário das minhas indeléveis lembranças uma imagem viva do passado. O Sol beijando a montanha e eu olhando a estrada enxerguei uma pessoa caminhando e se aproximando. Imaginei ser uma inesperada visita, e como tal aconteceu. ─ Boa tarde, disse o homem. Boa tarde, a que devo a honra dessa inesperada visita?─ Meu nome é Calixto, Cedo da manhã irei para o platô na montanha, o senhor pode me conceder uma pousada até amanhã? Sim, a casa é grande, sinta-se a vontade. Nos sertões é assim, receber um hóspede é sempre uma grande honra. Docemente Calixto sorria mostrando ser homem manso e simples; Calixto vestia calça de brim azul com furos e remendos, camisa xadrez e alpercatas envelhecidas. Parecia ser um homem de sessenta anos, mas quando perguntei sua idade ele sorrindo respondeu ser mais velho que a Terra. Calixto passava uma boa energia e eu sentia-me feliz ao conversarmos. Logo nos entendemos e passamos a conversar amiúde, parecia que já nos conhecíamos há muito tempo. Calixto parecia ter em volta de si uma aura de luz, tão grande era sua simpatia quando eu lhe perguntava alguma coisa. Não fazia parte dos meus planos receber visitas por necessitar de silêncio a fim de desenvolver meu trabalho de concentração mental, mas a visita de Calixto era uma dádiva de Deus, assim eu sentia. Ao sentarmos à mesa para o jantar, em silêncio por alguns minutos Calixto agradeceu ao Criador pelo alimento. Mesmo sem esse sagrado habito, compartilhei. Eu havia levado pão, mel e vinho natural, Calixto avoantes salgadas. Parecia adivinhar meu gosto. Tivemos um saboroso jantar com muito sossego. Misteriosamente as coisas aconteciam iguais às contas de um rosário; uma conta, após outra numa ordem crescente e natural. Após o jantar, ao luar nos sentamos no terreiro da velha casa falando assuntos relativos às belezas da Natureza. No alto contemplava um céu atapetado de astros e estrelas. Um sereno de lua cheia em profusão se espargia sobre a terra, a luz da formosa lua prateava as folinhas de pequenos arbustos em volta do terreiro e à brisa suave da noite acarinhava meu rosto. Eu sentia a expansão da minha memória, e após um profundo silêncio  perguntei: Calixto preciso entender a Natureza Divina, saber se vivemos sozinhos nesse infindável Universo? Mansamente Calixto respondeu-me dizendo: ─ Todos  estamos conectados ao Criador, e dessa forma ligados ao Universo, e assim, a todas as vidas que Nele existem. Tudo que pensamos, falamos ou fazemos está gravado na luz Universal. É assim que somos um Só. Para entender a infindável Natureza é preciso merecer do Criador essa graça que nós mesmos alcançamos pela nossa evolução que é única e pessoal. Olhemos para o alto procurando enxergar a lua, os astros e estrelas. Se olharmos com os olhos do espírito podemos enxergar tudo em torno do Sol e muito além.  Fora da matéria temos infinitos atributos que ainda desconhecemos em virtude da nossa pouca evolução espiritual e o envolvimento com a densa matéria corporal.

O pensamento me fez viajar  pelo Universo conduzido por luzes de infinita grandeza na velocidade do pensamento, temporariamente desligado da minha matéria, sentindo incomensurável felicidade pude compreender alguma coisa da Natureza Divina. Tive uma compreensão do minúsculo lugar  que ocupo no Universo, porém conectado ao Criador, tive a certeza que não vivemos sós no Cosmos. Não vi o tempo passar, era manhã. Calixto sorria dizendo: São minúsculas partículas das belezas e encantos da Natureza, que não se pode pesar, medir ou contar. ─ Vamos subir a montanha? Convideu. ─ Sim, subiremos a montanha quando você quiser, indo ao encontro do desconhecido. Amanheceu o dia numa canção de melodias douradas a luz do Sol nascente.

Sim! Amanhã subiremos a montanha.