domingo, 13 de setembro de 2015

Inamuí


Antonio

2015

Inamuí


Caure sentou-se à sombra da radiante e misteriosa, Inamuí, árvore milenar, próximo a um regato contemplando a boniteza do lugar. Ali sentiu uma boa energia e um suave perfume que o fez sonhar como se fosse o próprio sonho dentro do sonho.
Veja Trovão, que lugar belo!
Sim, é diferente de todos os lugares que conhecemos, respondeu  o encantado cachorro.

 O perfume que Caure sentiu o fez  transcender ao espaço e sentir-se entre o sol e as estrelas num lugar de harmonia e pureza. Admirado com a perfeição da natureza e seus infinitos encantos, sentiu-se parte dela nesse vergel de rios, lagos, igarapés, igapós, cachoeiras e uma belíssima vegetação de árvores floridas de inefável beleza e magia. Pensou em sua amada Lou, imaginando que sendo ela conhecedora de tantas coisas maravilhosas, certamente conhecia aquele belo lugar. Então, Caure lembrou-se que ela havia falado de cenários misteriosos, lugares transcendentais que conheceu ao longo da sua caminhada pela floresta. Descobrir novos lugares e vivenciar experiências fazia parte do seu processo evolutivo.

Radiante nascia à manhã surgindo uma brisa serena que o dia sopra ao amanhecer, o orvalho molhava a vegetação e pingos d’água salpicavam as flores perfumadas da Inamuí que sob ela Caure repousava. Próximo surgiu uma revoada de pássaros que pousavam a beira de um Igarapé e, ao dirigir-se a eles Caure perguntou a razão de tanta alegria e um passarinho  adiantou-se dizendo:

  Olá Caure, já nos conhecemos, meu nome é Sabiá. Estamos aqui para alegres reverenciarmos Inamuí, a árvore encantada de onde emana esse perfume trazendo alegria e essa boa energia que atrai saúde e prosperidade para todos os habitantes das matas. Para nós ela é a rainha dos encantos da floresta, com seu perfume ela cura as criaturas, transformando a doença em saúde e a tristeza em alegria,  adiantou o Sabiá.

Caure procurou conversar com pássaros e animais do lugar, muitos já o conheciam, outros se apresentavam para conhecê-lo, admirar sua figura humana e anunciar a visita de um ilustre homem que zelava pelo santuário. Surpreso, Caure ficou a imaginar; quem seria o homem privilegiado responsável por um ambiente tão misterioso e belo.

Luminosa e serena caía à tarde. Caure veio ao encontro de Trovão que animadamente conversava com um beija-flor e algumas araras. Falava ele às criaturinhas que por onde andou encontrou bichinhos muito inteligentes e amáveis que o trataram como a um príncipe. Para ele pescavam, caçavam marrecos, e colhiam mel de abelhas, chegaram a construir um confortável tapiri para ele. Falou das lutas travadas contra predadores que queimavam as florestas e, que heroicamente liderou um grande exército, sendo vitorioso na batalha, enquanto Caure apenas observava sua luta. Os bichinhos da floresta boquiabertos e sem maldade acreditavam, mas um Bem-te-vi retorquiu dizendo:

  Nesse  santuário não existem humanos predadores, portanto aqui não haverá guerra, vivemos em paz.

Mas isso aconteceu muito distante daqui, justificou Trovão.

Ah! Entendi, respondeu o pássaro.

Na presença de Caure, Trovão mudou a conversa e Caure adiantou:

Voltemos ao lugar junto a Inamuí, lá permaneceremos a fim de participarmos da festa em sua homenagem. Trovão, você está induzindo os animais a trabalharem para você, isto não é justo, lembra-se da raposa? Na floresta cada qual cuida de si e presta auxilio aos outros, ninguém explora ninguém, não faça isso, não é ético.

Estava apenas brincando, respondeu Trovão.

Eu compreendo, sorrindo respondeu Caure.

Caure voltou à sombra da árvore. A noite chegava com mansidão, o lugar afundava-se sob o clarão das estrelas e, Caure fitando o infinito, vendo o surgimento da formosa lua, meditava e expandia seus pensamentos admirando a grandeza do universo. À noite, sobre a água de um rio surgiu um clarão, e num barco um homem mantinha-se firme no leme, em minutos abarrancou e veio até Cauré, dizendo:

Sou Pharysy, o guardião desse santuário, aqui nesse lugar vivi muitas vidas, até que um dia pela força da natureza me encantei da mesma forma que você. Somente eu posso trazer os encantos de Inamuí, a árvore encantada que tem poder e magia. Eu chamo Inamuí para instalar seu reinado com todos os seus encantos e belezas. Sejam bem vindos aos encantos de Inamuí, disse Pharysy.

Mas ela é apenas uma árvore! Como pode possuir tanto poder e magia? Perguntou Caure.

Da mesma forma que um ser humano vive na terra compondo sua história, aprendendo uma lição e cumprindo uma missão. Os minerais, vegetais e animais que se destacam também têm sua participação no processo de desenvolvimento da terra, porque ela não foi criada ontem, e sim, a muitos milhões de anos e está num processo de transformação. As árvores também têm sua historia e muitas se encantam para continuar auxiliando o homem em sua evolução. Grande parte da humanidade só crê naquilo que pode palpar porque ainda não desenvolveu todas as suas potencialidades. No entanto à medida que evolui, o que se dá gradualmente, poderá tornar-se um sensitivo e perceber além da dimensão material.

Caure olhe bem o azul do céu, o mundo metafísico, veja quanta beleza! Adiantou Pharysy.

 Naquele instante surgiu um grande e majestoso palácio de luz e encantamento, com jardins, salões repletos de pessoas em forma de luz, que levitavam e mantinham-se numa alegria imensa, os trajes iluminados se confundiam com o corpo das pessoas e não podiam ser descritos, tamanha era sua luz resplandecente. Extasiado, Caure sentiu-se caminhando pelos salões e jardins do palácio tapizados de esplendores, as pessoas o cumprimentavam e aparentavam uma matéria completamente diferente de tudo que Caure havia visto.

 Lembrou-se de Lou, da cidade encantada onde tudo era mágico, mas nada igual ao que ali se apresentava, nem poderia haver comparação, tudo era diferente, outro cenário. Nada ali era parecido com o que havia visto na cidade encantada. Lembrou-se de Trovão e logo o enxergou bem próximo, feliz passeava por entre os presentes sem nada temer. Depois de alguns minutos percebeu a presença de Pharysy a conversar com algumas pessoas, sem usar a palavra articulada como quando se dirigiu a ele, por certo pelo pensamento comunicava-se com aquelas figuras de luz.

Ao aproximar-se de Pharysy, Caure indagou dizendo: Como posso falar com Inamuí?

Aguarde que em breve você verá, respondeu Pharysy.

Caure não sentia cansaço nem tinha ideia de tempo, mas sentia um intenso perfume que o fazia lembrar-se de toda a sua existência, fragrância desconhecida para ele, embora distinguisse flores com seus perfumes. Admirado, continuou caminhando pelo palácio contemplando as belezas, tinha a impressão de não estar na dimensão material, nem muito menos na floresta amazônica. Uma visão chamou sua atenção com mais  intensidade; na luz que se apresentava ele enxergava toda a fauna e flora que conhecia. Outras lhe eram desconhecidas. Concluindo, então, que não conhecia quase nada, ainda precisava muito caminhar para conhecer os segredos e mistérios da natureza. Caure observou que nada se repetia no que se apresentava, percebendo assim, a grandeza da natureza.

Creio, se eu penetrar milhões de vezes nesses encantos, eles jamais se repetirão, refletia Caure.

Caure adentrou num salão de cristal translúcido e reparou que o cristal só possuía o lado de dentro. Então, lembrou-se do universo que só possui o lado de dentro, coisa que transcendia sua compreensão, mas entendeu que num palácio daquela magnitude deveria existir um trono, mesmo assim é muito pouco para tanta realeza. Também procurou um rei, mas não encontrou. Diante da dúvida Caure teve uma extraordinária  visão; Viu todo aquele cenário em forma de um trono no infinito céu e sobre o trono um homem com os braços abertos em forma de luz. Diante daquela sublime visão, Caure  sentiu-se parte de tudo que via e sentia, e exclamando disse.

No mundo encantado da majestosa floresta

Sob a luminosidade dos astros e estrelas

Entre as rosas silvestres da existência

No verde das arvores e colorido das flores

Curvo meu corpo e minha e mente

À natureza de brilho e magia

Aos seus infinitos encantos

Ao Rei Sol luz brilhante e harmoniosa

Pai nosso de infinita grandeza

Tudo aqui é luz magia e encantamento

Vida mistério fortaleza da criação.


Mesmo diante de todas aquelas visões maravilhosas, Caure lembrou-se de olhar a árvore e viu suas ramagens cor de ouro com fios prateados de luz que se espargiam num raio sem dimensão. Fitou o céu e viu a lua e as estrelas brilhando no alto, procurou Pharysy e enxergou seu barco navegando num rio de luz. Caure sentiu uma suave brisa, um indescritível perfume e mergulhou num encanto rico e belo com os olhos nevoados de sonhos dourados de ternura e saudade.   /////////






segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Tribunal dos Pássaros


Tribunal dos Pássaros

A notícia da liderança de Caure entre os habitantes da floresta se expandiu de tal forma que causou uma revolução entre seus habitantes naturais. Podendo ele falar com animais, insetos e árvores, enfim, com todos os moradores das matas. As lideranças da floresta entenderam que também seria ele capaz de compreendê-las e, tornar-se um elo entre eles e o homem, que embora se considerasse civilizado, agia como predador ameaçando os moradores das florestas, ocasionando sua destruição. Dessa forma, o trabalho de Caure na defesa do meio ambiente estava sendo facilitado pela confiança nele depositada por àqueles que ameaçados moravam na floresta amazônica, alvos da ação de homens carentes de sensibilidade ecológica.

Caure foi procurado por abelhas, formigas, pássaros, e uma infinidade de animais. Eles pediam para ele dizer ao homem que não queimasse a floresta, não desmatasse, não matasse os animais. Em diversas partes do planeta já se percebiam as mudanças climáticas em decorrência da poluição motivada pelas queimadas na Amazônia e em outras partes da terra. O desmatamento e as queimadas estão modificando o clima e ampliando o efeito estufa. Essa prática causa o aquecimento global e em breve poderá transformar a floresta em savana causando uma perda irreparável a humanidade.

Certo dia, ao conversar com passarinhos Caure recebeu um convite para uma reunião num tribunal de pássaros, onde seriam tratados assuntos relativos à desobediência às leis da natureza, praticada por alguns pássaros. Para ele seria um acontecimento singular, e aceitou. Os pássaros queriam que Caure tomasse conhecimento da maneira como a sociedade deles, observava a Lei natural da floresta. Caure foi ao encontro acompanhado por Trovão. Havia grande interesse em participar daquele tribunal e conhecer cada vez mais a vida na floresta. A reunião aconteceria ao amanhecer, nela estariam presentes todos os representantes dos pássaros da região. Ali seriam abordados assuntos de vital importância para a vida dos pássaros em sociedade: Desrespeito à vida de um pássaro, questões territoriais, namoros e acasalamentos, desdém de uns sobre outros e desperdício de alimentos.

O desprezo é considerado ato discriminatório entre os pássaros. Abordar numa reunião atos dessa natureza parecia irrelevante, no entanto é sempre importante fazer ajustes, mesmo em pequenas coisas para que todos possam viver felizes e em paz. Poderiam ser incluídos na pauta outros assuntos pertinentes à floresta e seus habitantes, como também destacar a importante presença de Caure, e trovão, convidados por Tucano de bico preto, dirigente da reunião. Caure queria conhecer novos pássaros e estreitar laços de amizade com tantos outros que certamente estariam na reunião.

Na pauta constavam algumas questões relativas ao mau comportamento de alguns pássaros: Um gavião carrapateiro predador que perseguiu um Biguá e uma Garça moura. Ato indigno, pois um pássaro não ataca outro, a não ser em situações especiais quando se sente ameaçado. De qualquer modo, segundo a Lei da floresta, um passarinho jamais deve perseguir ou destruir outro pássaro. Tanto moral como eticamente não está certo, e quem desrespeitar, responderá pelo delito. Na floresta todos são iguais perante a natureza. Existem ricas fontes de alimento que devem ser usadas por todos, sem agressões, destruições ou desperdícios. Os pássaros só devem utilizar o necessário, sem nada desperdiçar.

Chegando cedo ao tribunal Caure já encontrou alguns convidados acomodados no galho das árvores disputando os melhores lugares, espaço onde teriam uma melhor visão para o acompanhamento dos trabalhos que se prolongariam pelo necessário. Com grande algazarra algumas araras flertavam com machos de sua espécie. Vieram para a reunião e, também em busca de algum namoro e acasalamento. Todas as pendências deveriam ser abordadas e solucionadas nessa reunião. Aquela era uma instância única, não haveria apelação para tribunais superiores, como acontece entre o tribunal dos homens, quando processos são retidos nos tribunais e os réus permanecem livres, tudo em decorrência de uma triste burocracia.

Bem cedo chegaram: Japu de bico amarelo e plumagem verde; o Tempera viola de plumagem cinza-oliva; o Cardeal-da-Amazônia com sua linda vestimenta vermelha; o Canário-do-campo com seu terno amarelo; Saí-de-pernas-amarelas com sua plumagem azul; Pinguari; Sabiá-barraqueiro; Músico da mata; Beija-flor; Galo-da-serra; Galo-de-campina; Araras; Periquitos; Papagaios e muitos outros que ficaram à distância, observando. Foram esses, então, os primeiros a chegar. Antes, porém, deram umas bicadas em frutos da floresta. Esses não permanecem por muito tempo sem colocar alguma coisa no papo, e certamente durante a reunião voariam algumas vezes em busca de saciar a fome, o que era permitido, desde que não houvesse excessos. A área era monitorada por ágeis falcões, responsáveis pela disciplina e a ordem durante a reunião. 

Chegaram mais pássaros: Pica-pau-de-barriga-vermelha; Coruja-da-noite; Urubu e Carcará; Araçari minhoca; Arara-azul; Jaçanãs; Ciganas; Águias; Carcará; Gavião-preto, Gavião-real; Falcões; Urubu-rei; Urubu-cabeça vermelha; Arapapá-primo da Garça Moura; e uma infinidade de gaviões que na certa vinham em defesa do gavião acusado de ser predador. Sem esquecer a presença de uma amiga preguiça que se encontrava no local e, naturalmente sem pressa deixava a área. Todos exibiam suas belas plumagens, porque ali também era lugar apropriado para muitos se conhecerem e até dar início a belos acasalamentos, tudo dentro da ordem natural da natureza.

Como esses passarinhos são vexados! Exclamava a preguiça.

A preguiça foi saindo muito devagarzinho, certamente antes do término da reunião ela teria saído do local e percorrido pelo menos dez longos metros. Os passarinhos formavam um belo cenário. Todos cantavam ao mesmo tempo promovendo uma algazarra sem fim, pouco ou quase nada se podia escutar. Mas ao ouvirem um cantar diferente, harmonioso e inigualável, o silêncio povoou todo aquele imenso espaço.

Todos se calaram naquele momento mágico. O vento soprando brandamente nas folhas verdes das árvores, do grilo a cigarra, os besouros e até o sapo, sob os pequenos arbustos obedeceram aquele som harmonioso vindo do seio da mata em divinas notas musicais.  Era o cantar do Uirapuru que ecoou por toda a floresta, o rei acabara de chegar, dizendo com seu cantar enternecedor que a reunião estava aberta. Mostrando que ali existia uma hierarquia e tudo seria feito dentro da ordem e da simplicidade

Na floresta, o comportamento dos passarinhos é levado muito a sério, especialmente tratando-se da não observância da Lei. Na floresta existe uma riqueza incalculável de alimentos suficiente para todos desde que sejam usados racionalmente. Seus habitantes devem acima de tudo procurar preservar as riquezas naturais para nunca faltar, especialmente a água que é a fonte da vida. Só existe vida na terra porque a água está presente, portanto, todos precisam ter essa consciência clara. Caure refletia sobre o homem não ter um pensamento igual ao dos pássaros e animais sobre a natureza. Ele tinha esperança que um dia o homem também viesse a cultivar a ideia de preservação do meio ambiente.

O conselho de Justiça estava formado por pássaros de idade mais avançada, condição indispensável para fazer parte do conselho de Justiça formado naquele momento.

Conselho de Justiça:

Presidente > Tucano de bico preto

Acusação > Japu-verde

Defesa > Águia-dourada

Vítimas > Biguá e a Garça Moura

Réu > Gavião Carrapateiro (predador)

Réu > Pica-pau-barriga-amarela

Réu > Gavião da montanha

O presidente falou sobre os objetivos da reunião, destacando a presença de Caure e Trovão como convidados, e os chamou para compor a mesa, isto é: O galho de árvore.

A raposa e o carcará que se encontravam à distância comentaram entre si, dizendo:

Já colocaram os dois na mesa julgadora, isto é: No galho. Lógico que não vai dar certo!

Trovão ao escutar o comentário malicioso dos dois, disse:

Depois da reunião vou dar dizer-lhes umas verdades por estarem fazendo pré-julgamento da reunião.

Não faça isso, não vá desperdiçar suas energias com o que não serve um dia eles se transformarão em boas criaturas.

Assim espero.

Inicialmente foi perguntando ao Gavião Carrapateiro, se ele se sentia culpado ou inocente. O acusado respondeu que era absolutamente inocente aquela acusação não tinha fundamento, não passava de perseguição de pássaros invejosos, por ser ele o passarinho mais bonito e sábio de toda a floresta.

Mas você atacou esses pássaros com qual finalidade? De matá-los? Perguntou Tucano de bico preto. Não o fiz com intenção de matá-los, estava exibindo minhas excepcionais qualidades. Nada mais, inclusive tenho um profundo respeito e amor por todos os habitantes da floresta, jamais praticaria uma maldade contra um pássaro ou outro bicho qualquer, tanto que não existem provas contra mim, apenas mera acusação sem conteúdo.

O jeito de falar, a arrogância e as provas que existiam contra ele era suficiente para condená-lo, mas ele tinha direito a defesa. Falou mais algumas coisas em defesa própria, orientado pelo seu defensor que procurava, a todo custo, inocentá-lo, omitindo evidências e provas materiais. A acusação pediu a palavra: O passarinho Japu-verde falou do constrangimento que sentia ao ter que lembrar a outro passarinho, no caso o Gavião Carrapateiro, a importância de observar as regras e as leis que existem na floresta. Ressaltou que o Gavião por ser um dos pássaros mais antigos da floresta, jamais poderia haver desobedecido a uma Lei, perseguindo outro pássaro, um inocente Biguá e uma indefesa Garça-moura, com o intuito de destruí-los.

Trata-se, realmente, de uma atitude abominável que não pode ser tolerada entre pássaros. Agindo dessa forma você está praticando atos que alguns seres humanos ainda cometem e que não está correto. Muitos destroem seus semelhantes, desrespeitam as Leis, os costumes e as tradições; devemos, sim, respeitar as Leis, cuidar dos mais frágeis e indefesos. Existe testemunhas que o viram tentar matar o Biguá, são provas irrefutáveis, sua defesa não pode escondê-las, são provas de um delito grave, portanto considero você culpado, e peço sua condenação por esse gesto indigno de um passarinho que deveria ser amigo dos bons costumes.

Japu-verde continuou falando:

Considerando que existe na floresta uma imensa riqueza em alimentos, que pertence a todos, não há necessidade de práticas agressivas. Fatos dessa natureza depõem contra os pássaros. A ética deve permear a existência dos passarinhos e de todos os habitantes da terra. Precisamos dar um exemplo moral e ético aos humanos, pois grande parte deles não tem um comportamento exemplar, especialmente com relação à natureza e suas Leis. Cada um deve respeitar o espaço do outro, pois a floresta pertence a todos que nela quiserem habitar e viver em paz.

Considero o Gavião Carrapateiro, culpado pela agressão a um indefeso Biguá e a uma pobre Garça-Moura que, sem condições de defesa, foram submetidos a uma situação constrangedora e humilhante perante outros passarinhos que solidariamente os salvaram do pior. Mesmo assim sofreram bicadas diversas vezes, sendo subtraído deles algumas penas de suas belíssimas plumagens, concluiu o Japu-verde.

Houve um sussurro de cânticos entre os presentes, mas foram contidos pelo presidente da reunião que solenemente exigiu silêncio. Restabelecida a ordem no ambiente, voltou a reinar a paz. O sol brilhava e os raios penetravam por entre as árvores ornamentados pela linda plumagem de centenas de pássaros presentes àquela sessão. Alguns passarinhos mais famintos se ausentavam por alguns momentos em busca de encher o papo e, voltavam em seguida atentos a tudo que se passava na reunião.

Falcões sobrevoavam a área, observando a disciplina entre os passarinhos. Toda a atenção deveria ser dispensada à fala dos dirigentes, afinal de contas, estava sendo julgado o procedimento de um pássaro, objeto de uma pesada acusação. A tentativa de tirar a vida de um pássaro é uma falta grave, não pode ser tolerada, o responsável deve ser julgado pelo ato indigno. Os falcões são responsáveis pela aplicação da lei e agem conforme a justiça determina. Águia dourada defendia o Gavião Carrapateiro, argumentando que o ocorrido não passou de uma brincadeira, pois se seu cliente quisesse realmente dar cabo da vítima teria feito com muita facilidade, em virtude de possuir qualidades especiais. Para tanto é veloz, inteligente e valente, e afirmava não ter ele transgredido nenhuma lei.

Meu cliente é inocente da acusação, dizia o defensor.

O defensor continuou dizendo que seu cliente apenas se divertia um pouco, pois na floresta não existia muita opção de lazer.

Então voe mais alto e faça uma brincadeira dessas com um falcão para ver o que lhe acontece!

Conforme as palavras da defesa o Biguá e a Garça eram pássaros indefesos e em nenhuma hipótese deveriam ser alvo de brincadeira de mau gosto, devemos viver em harmonia, pois só seremos respeitados se respeitarmos nossos semelhantes. Se quisermos brincar, existe muito espaço para voarmos em bando ou sozinhos. Temos testemunhas que afirmam, ter observado sua má intenção, portanto assuma a culpa e peça desculpas publicamente para atenuar a pena, completou Japu-verde. Diante das evidências e provas, após testemunhas ouvidas, a acusação pediu a condenação do réu e o presidente proferiu a sentença.

 Como pena alternativa, determinou que o passarinho fornecesse alimento para as vítimas por um período de vinte luas novas e procurasse ter um comportamento exemplar, não repetisse essa falha para não receber uma correção mais severa. Antes de concluir a reunião, o presidente severamente chamou atenção do Pica-pau-barriga-amarela, por desdenhar de passarinhos menores e menos bonitos. Perante a floresta todos seus habitantes são iguais perante a Lei.

Cada qual tem sua beleza, são enfeites da natureza e determinou que o Pica-pau furasse numa árvore um buraco e construísse um ninho muito bonito para o menor passarinho que ali estivesse presente, o que deveria ser feito antes da chegada das chuvas.

Um casal de Beija-flor ganhou o ninho como presente o que deixou o Pica-pau-barriga-amarela furioso, porém diante da autoridade, prometeu obedecer à sentença. O presidente da reunião olhando para Caure disse:

Que sirva de exemplo, inclusive para a civilização dos homens, onde muitas vezes as ordens dos juízes são desrespeitadas, causando um mau exemplo para toda uma geração. Um dia, faça chegar ao conhecimento dos homens esse nosso procedimento. E se entre os homens existir uma melhor forma de aplicar a lei, nós precisamos conhecê-la. Deixemos, pois, que nossa vida seja norteada pela ética e moral.  

Com relação ao acasalamento, foi aconselhado aos pássaros que podiam namorar onde bem quisessem, mas no momento que a fêmea escolhesse seu parceiro, o outro macho deveria se afastar e procurar guarida noutro lugar, evitando desentendimentos. Determinou que os passarinhos evitassem o desperdício a fim de nunca faltar na floresta água e alimentos para todos. Tucano-de-bico-preto deu a reunião por encerrada e em silêncio, ouviram o belíssimo cântico do Uirapuru e a passarinhada se despediu na maior algazarra, voando em busca dos seus ninhos e de alimento, o Sol declinava no horizonte. Voavam milhares de pássaros num esplendoroso colorido. Nesse exato momento, a amiga preguiça, que havia prometido desocupar o local no início da reunião, olhando para trás disse:

Calma pessoal, para que tanta pressa!  Estou saindo.

Enquanto os passarinhos voavam para os ninhos, Caure refletia sobre o que havia presenciado, imaginando como é perfeita a natureza, onde os pássaros têm noção do certo e do errado e como vivem em harmonia, respeitando as leis da natureza. Atitudes simples que o homem em sua maioria ainda não conseguiu colocar em prática. Caure refletia que se os homens se comportassem como os pássaros, certamente teriam uma melhor qualidade de vida, e viveriam num mundo mais justo, onde não haveria exclusão social, guerra e fome. Todos os habitantes do planeta teriam acesso às necessidades básicas.

Caure continuou viajando pela floresta, acompanhado por Trovão, seu fiel cachorro. Ao chegar a um suntuoso lugar, onde alguns habitantes encantados da floresta prestavam homenagem ao deus Sol, encontrou um homem de nome Sum que falou de uma moderna civilização que conhecera muito distante da floresta. Nessa civilização as pessoas pareciam felizes, moravam em palácios, viajavam em naves pelo espaço e tinham outros hábitos, dominavam ciências desconhecidas por outras nações e usavam tecnologias avançadíssimas, mas esse mesmo povo era responsável pelas queimadas na floresta, matança de animais e poluição das águas. Caure não compreendia como esses homens promoviam esses crimes ambientais se eram tão adiantados tecnologicamente. Não entendia, porém, havia sido advertido por Lou que encontraria essas pessoas em sua caminhada, mas deveria ficar tranquilo continuando seu trabalho, pois ela estaria com ele no momento que fosse necessário. Caure se pôs a indagar sobre a civilização dos homens, queria realmente saber como eles viviam, pois depois que saiu de Tutóia havia tido pouco contato com seres humanos. Para enriquecer seu conhecimento e compreender o comportamento do homem ele precisava conhecer outro tipo de civilização.

Sum aconselhou Caure a restringir sua vida à floresta, assim poderia contribuir com mais intensidade na conservação do ecossistema, não somente na floresta amazônica, mas em outras florestas que existem em outros continentes, advertiu-o que conviver na civilização moderna é complicado e exige muita paciência e determinação. No entanto, Caure precisava conhecer melhor a Terra e Insistiu muito perante a natureza obtendo o direito de visitar lugares habitados por criaturas modernas. Assim, Caure aceitou esse novo desafio, e logo chegou a uma cidade, diferente de tudo o que havia conhecido. Queria fazer um estudo minucioso da cultura do povo daquele lugar. Lou havia lhe falado dessa experiência, pois ela já passara por esse caminho. Caure havia expandido sua memória e tinha uma grande capacidade de entendimento. Na medida em que obtinha mais conhecimento compreendia a razão da existência da raça humana. Ele precisava ver e sentir para poder entender o comportamento do homem moderno.

 

 

 

Santuário


Antonio  Albuquerque

2007
Santuário

No alto o sol brilhava espargindo raios dourados tal uma manopla de fogo. Em seus ouvidos o doce rumor da água batendo nas pedras de uma cachoeira e o chiar de espumas crepitantes soltas no espaço formando um arco-íris de radiante boniteza. Pássaros coloridos voando tangidos pelo suave vento, e fervilhantes folhas e flores atapetando a terra vermelha enfeitada por cristais translúcidos. Caure se deparou com um rico santuário numa extensa planície formada por milhares de espécies de plantas medicinais e diversos animais que formavam a fauna e a flora desse lugar paradisíaco. Com plantas,  água, animais e insetos Caure falava e ouvia suas histórias. Ao contemplá-las ele sentiu uma imensa alegria e, não se contendo com tanta beleza exclamou:

Floresta, sublime inspiração,

Da natureza esplendorosa criação

Arco-íris, seiva das belezas da vida,

Fonte de brilho, encanto e pureza.

Favorece o equilíbrio das matas

Guarnecendo as lindas cascatas

Floresta, firme cores da natureza.

Branca pureza imaculada

Azul cor do infinito

Verdes árvores de tuas matas

Amarelo das rosas e flores

Tela da natureza infinita grandeza

Símbolo de resistência e magia

Esperança real deste céu

Deste rio-mar

Desta terra retumbante

Depósito energético que a natureza encerra

Nas folhas, flores, caules, verticilos.

A brisa que sopra na folhagem

Conta mil segredos para a flor!

A natureza que acolhe e encanta

Diz serem tais, cantos de amor!

Tuas matas a natureza sente

Vibra, embeleza e emana chama ardente.

De singeleza, plasma eterno fulgor.

No trunfo imortal do soberano amor!

Floresta do rei Sol és filha

Luz pura e sublime formosíssimo puro amor

Transportando raios coloridos em águas cristalinas

A esperá-los nos rio igapós, igarapés.

Nas relvas das várzeas, coloridas.

Floresta do Sol recebe luz e calor

Pujante beleza, emoldurado vigor.

Da lua, acalma o sereno em forma de luz.

Alentando tuas plantas, da natureza.

A sublime vida eterna existência, a água!

Bendito o verde coruscante

Consagrada seja floresta guardiã do solo amado

Abafa o grito de dor da madeira ferida

Que a natureza te perpetue salutar!

Devolva-te todo o porte e a eterna magia

Recupere a árvore extraída...

O animal caído na mão do predador

Continue oxigenando a vida

Nossa abençoada remição.

Diante de um belo cenário, Caure iniciou um sábio diálogo com as plantas medicinais:

Olá, quem é você?

Meu nome é Urucum, combato o colesterol ruim e a gordura no sangue, minha semente quando transformada em corante adquire propriedade repelente afastando alguns insetos indesejáveis. Nasci na Amazônia, mas posso viver em outros lugares para onde a natureza determinar.

 Dessa forma, outras plantas foram se apresentando. Trovão preguiçosamente dormia à sombra de uma samaúma enquanto seu dono arduamente trabalhava para conhecer a serventia de plantas medicinais que ainda não conhecia.

Com  semblante de cansaço e preguiça por nada fazer, Trovão se aproximou dizendo...