segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Tribunal dos Pássaros


Tribunal dos Pássaros

A notícia da liderança de Caure entre os habitantes da floresta se expandiu de tal forma que causou uma revolução entre seus habitantes naturais. Podendo ele falar com animais, insetos e árvores, enfim, com todos os moradores das matas. As lideranças da floresta entenderam que também seria ele capaz de compreendê-las e, tornar-se um elo entre eles e o homem, que embora se considerasse civilizado, agia como predador ameaçando os moradores das florestas, ocasionando sua destruição. Dessa forma, o trabalho de Caure na defesa do meio ambiente estava sendo facilitado pela confiança nele depositada por àqueles que ameaçados moravam na floresta amazônica, alvos da ação de homens carentes de sensibilidade ecológica.

Caure foi procurado por abelhas, formigas, pássaros, e uma infinidade de animais. Eles pediam para ele dizer ao homem que não queimasse a floresta, não desmatasse, não matasse os animais. Em diversas partes do planeta já se percebiam as mudanças climáticas em decorrência da poluição motivada pelas queimadas na Amazônia e em outras partes da terra. O desmatamento e as queimadas estão modificando o clima e ampliando o efeito estufa. Essa prática causa o aquecimento global e em breve poderá transformar a floresta em savana causando uma perda irreparável a humanidade.

Certo dia, ao conversar com passarinhos Caure recebeu um convite para uma reunião num tribunal de pássaros, onde seriam tratados assuntos relativos à desobediência às leis da natureza, praticada por alguns pássaros. Para ele seria um acontecimento singular, e aceitou. Os pássaros queriam que Caure tomasse conhecimento da maneira como a sociedade deles, observava a Lei natural da floresta. Caure foi ao encontro acompanhado por Trovão. Havia grande interesse em participar daquele tribunal e conhecer cada vez mais a vida na floresta. A reunião aconteceria ao amanhecer, nela estariam presentes todos os representantes dos pássaros da região. Ali seriam abordados assuntos de vital importância para a vida dos pássaros em sociedade: Desrespeito à vida de um pássaro, questões territoriais, namoros e acasalamentos, desdém de uns sobre outros e desperdício de alimentos.

O desprezo é considerado ato discriminatório entre os pássaros. Abordar numa reunião atos dessa natureza parecia irrelevante, no entanto é sempre importante fazer ajustes, mesmo em pequenas coisas para que todos possam viver felizes e em paz. Poderiam ser incluídos na pauta outros assuntos pertinentes à floresta e seus habitantes, como também destacar a importante presença de Caure, e trovão, convidados por Tucano de bico preto, dirigente da reunião. Caure queria conhecer novos pássaros e estreitar laços de amizade com tantos outros que certamente estariam na reunião.

Na pauta constavam algumas questões relativas ao mau comportamento de alguns pássaros: Um gavião carrapateiro predador que perseguiu um Biguá e uma Garça moura. Ato indigno, pois um pássaro não ataca outro, a não ser em situações especiais quando se sente ameaçado. De qualquer modo, segundo a Lei da floresta, um passarinho jamais deve perseguir ou destruir outro pássaro. Tanto moral como eticamente não está certo, e quem desrespeitar, responderá pelo delito. Na floresta todos são iguais perante a natureza. Existem ricas fontes de alimento que devem ser usadas por todos, sem agressões, destruições ou desperdícios. Os pássaros só devem utilizar o necessário, sem nada desperdiçar.

Chegando cedo ao tribunal Caure já encontrou alguns convidados acomodados no galho das árvores disputando os melhores lugares, espaço onde teriam uma melhor visão para o acompanhamento dos trabalhos que se prolongariam pelo necessário. Com grande algazarra algumas araras flertavam com machos de sua espécie. Vieram para a reunião e, também em busca de algum namoro e acasalamento. Todas as pendências deveriam ser abordadas e solucionadas nessa reunião. Aquela era uma instância única, não haveria apelação para tribunais superiores, como acontece entre o tribunal dos homens, quando processos são retidos nos tribunais e os réus permanecem livres, tudo em decorrência de uma triste burocracia.

Bem cedo chegaram: Japu de bico amarelo e plumagem verde; o Tempera viola de plumagem cinza-oliva; o Cardeal-da-Amazônia com sua linda vestimenta vermelha; o Canário-do-campo com seu terno amarelo; Saí-de-pernas-amarelas com sua plumagem azul; Pinguari; Sabiá-barraqueiro; Músico da mata; Beija-flor; Galo-da-serra; Galo-de-campina; Araras; Periquitos; Papagaios e muitos outros que ficaram à distância, observando. Foram esses, então, os primeiros a chegar. Antes, porém, deram umas bicadas em frutos da floresta. Esses não permanecem por muito tempo sem colocar alguma coisa no papo, e certamente durante a reunião voariam algumas vezes em busca de saciar a fome, o que era permitido, desde que não houvesse excessos. A área era monitorada por ágeis falcões, responsáveis pela disciplina e a ordem durante a reunião. 

Chegaram mais pássaros: Pica-pau-de-barriga-vermelha; Coruja-da-noite; Urubu e Carcará; Araçari minhoca; Arara-azul; Jaçanãs; Ciganas; Águias; Carcará; Gavião-preto, Gavião-real; Falcões; Urubu-rei; Urubu-cabeça vermelha; Arapapá-primo da Garça Moura; e uma infinidade de gaviões que na certa vinham em defesa do gavião acusado de ser predador. Sem esquecer a presença de uma amiga preguiça que se encontrava no local e, naturalmente sem pressa deixava a área. Todos exibiam suas belas plumagens, porque ali também era lugar apropriado para muitos se conhecerem e até dar início a belos acasalamentos, tudo dentro da ordem natural da natureza.

Como esses passarinhos são vexados! Exclamava a preguiça.

A preguiça foi saindo muito devagarzinho, certamente antes do término da reunião ela teria saído do local e percorrido pelo menos dez longos metros. Os passarinhos formavam um belo cenário. Todos cantavam ao mesmo tempo promovendo uma algazarra sem fim, pouco ou quase nada se podia escutar. Mas ao ouvirem um cantar diferente, harmonioso e inigualável, o silêncio povoou todo aquele imenso espaço.

Todos se calaram naquele momento mágico. O vento soprando brandamente nas folhas verdes das árvores, do grilo a cigarra, os besouros e até o sapo, sob os pequenos arbustos obedeceram aquele som harmonioso vindo do seio da mata em divinas notas musicais.  Era o cantar do Uirapuru que ecoou por toda a floresta, o rei acabara de chegar, dizendo com seu cantar enternecedor que a reunião estava aberta. Mostrando que ali existia uma hierarquia e tudo seria feito dentro da ordem e da simplicidade

Na floresta, o comportamento dos passarinhos é levado muito a sério, especialmente tratando-se da não observância da Lei. Na floresta existe uma riqueza incalculável de alimentos suficiente para todos desde que sejam usados racionalmente. Seus habitantes devem acima de tudo procurar preservar as riquezas naturais para nunca faltar, especialmente a água que é a fonte da vida. Só existe vida na terra porque a água está presente, portanto, todos precisam ter essa consciência clara. Caure refletia sobre o homem não ter um pensamento igual ao dos pássaros e animais sobre a natureza. Ele tinha esperança que um dia o homem também viesse a cultivar a ideia de preservação do meio ambiente.

O conselho de Justiça estava formado por pássaros de idade mais avançada, condição indispensável para fazer parte do conselho de Justiça formado naquele momento.

Conselho de Justiça:

Presidente > Tucano de bico preto

Acusação > Japu-verde

Defesa > Águia-dourada

Vítimas > Biguá e a Garça Moura

Réu > Gavião Carrapateiro (predador)

Réu > Pica-pau-barriga-amarela

Réu > Gavião da montanha

O presidente falou sobre os objetivos da reunião, destacando a presença de Caure e Trovão como convidados, e os chamou para compor a mesa, isto é: O galho de árvore.

A raposa e o carcará que se encontravam à distância comentaram entre si, dizendo:

Já colocaram os dois na mesa julgadora, isto é: No galho. Lógico que não vai dar certo!

Trovão ao escutar o comentário malicioso dos dois, disse:

Depois da reunião vou dar dizer-lhes umas verdades por estarem fazendo pré-julgamento da reunião.

Não faça isso, não vá desperdiçar suas energias com o que não serve um dia eles se transformarão em boas criaturas.

Assim espero.

Inicialmente foi perguntando ao Gavião Carrapateiro, se ele se sentia culpado ou inocente. O acusado respondeu que era absolutamente inocente aquela acusação não tinha fundamento, não passava de perseguição de pássaros invejosos, por ser ele o passarinho mais bonito e sábio de toda a floresta.

Mas você atacou esses pássaros com qual finalidade? De matá-los? Perguntou Tucano de bico preto. Não o fiz com intenção de matá-los, estava exibindo minhas excepcionais qualidades. Nada mais, inclusive tenho um profundo respeito e amor por todos os habitantes da floresta, jamais praticaria uma maldade contra um pássaro ou outro bicho qualquer, tanto que não existem provas contra mim, apenas mera acusação sem conteúdo.

O jeito de falar, a arrogância e as provas que existiam contra ele era suficiente para condená-lo, mas ele tinha direito a defesa. Falou mais algumas coisas em defesa própria, orientado pelo seu defensor que procurava, a todo custo, inocentá-lo, omitindo evidências e provas materiais. A acusação pediu a palavra: O passarinho Japu-verde falou do constrangimento que sentia ao ter que lembrar a outro passarinho, no caso o Gavião Carrapateiro, a importância de observar as regras e as leis que existem na floresta. Ressaltou que o Gavião por ser um dos pássaros mais antigos da floresta, jamais poderia haver desobedecido a uma Lei, perseguindo outro pássaro, um inocente Biguá e uma indefesa Garça-moura, com o intuito de destruí-los.

Trata-se, realmente, de uma atitude abominável que não pode ser tolerada entre pássaros. Agindo dessa forma você está praticando atos que alguns seres humanos ainda cometem e que não está correto. Muitos destroem seus semelhantes, desrespeitam as Leis, os costumes e as tradições; devemos, sim, respeitar as Leis, cuidar dos mais frágeis e indefesos. Existe testemunhas que o viram tentar matar o Biguá, são provas irrefutáveis, sua defesa não pode escondê-las, são provas de um delito grave, portanto considero você culpado, e peço sua condenação por esse gesto indigno de um passarinho que deveria ser amigo dos bons costumes.

Japu-verde continuou falando:

Considerando que existe na floresta uma imensa riqueza em alimentos, que pertence a todos, não há necessidade de práticas agressivas. Fatos dessa natureza depõem contra os pássaros. A ética deve permear a existência dos passarinhos e de todos os habitantes da terra. Precisamos dar um exemplo moral e ético aos humanos, pois grande parte deles não tem um comportamento exemplar, especialmente com relação à natureza e suas Leis. Cada um deve respeitar o espaço do outro, pois a floresta pertence a todos que nela quiserem habitar e viver em paz.

Considero o Gavião Carrapateiro, culpado pela agressão a um indefeso Biguá e a uma pobre Garça-Moura que, sem condições de defesa, foram submetidos a uma situação constrangedora e humilhante perante outros passarinhos que solidariamente os salvaram do pior. Mesmo assim sofreram bicadas diversas vezes, sendo subtraído deles algumas penas de suas belíssimas plumagens, concluiu o Japu-verde.

Houve um sussurro de cânticos entre os presentes, mas foram contidos pelo presidente da reunião que solenemente exigiu silêncio. Restabelecida a ordem no ambiente, voltou a reinar a paz. O sol brilhava e os raios penetravam por entre as árvores ornamentados pela linda plumagem de centenas de pássaros presentes àquela sessão. Alguns passarinhos mais famintos se ausentavam por alguns momentos em busca de encher o papo e, voltavam em seguida atentos a tudo que se passava na reunião.

Falcões sobrevoavam a área, observando a disciplina entre os passarinhos. Toda a atenção deveria ser dispensada à fala dos dirigentes, afinal de contas, estava sendo julgado o procedimento de um pássaro, objeto de uma pesada acusação. A tentativa de tirar a vida de um pássaro é uma falta grave, não pode ser tolerada, o responsável deve ser julgado pelo ato indigno. Os falcões são responsáveis pela aplicação da lei e agem conforme a justiça determina. Águia dourada defendia o Gavião Carrapateiro, argumentando que o ocorrido não passou de uma brincadeira, pois se seu cliente quisesse realmente dar cabo da vítima teria feito com muita facilidade, em virtude de possuir qualidades especiais. Para tanto é veloz, inteligente e valente, e afirmava não ter ele transgredido nenhuma lei.

Meu cliente é inocente da acusação, dizia o defensor.

O defensor continuou dizendo que seu cliente apenas se divertia um pouco, pois na floresta não existia muita opção de lazer.

Então voe mais alto e faça uma brincadeira dessas com um falcão para ver o que lhe acontece!

Conforme as palavras da defesa o Biguá e a Garça eram pássaros indefesos e em nenhuma hipótese deveriam ser alvo de brincadeira de mau gosto, devemos viver em harmonia, pois só seremos respeitados se respeitarmos nossos semelhantes. Se quisermos brincar, existe muito espaço para voarmos em bando ou sozinhos. Temos testemunhas que afirmam, ter observado sua má intenção, portanto assuma a culpa e peça desculpas publicamente para atenuar a pena, completou Japu-verde. Diante das evidências e provas, após testemunhas ouvidas, a acusação pediu a condenação do réu e o presidente proferiu a sentença.

 Como pena alternativa, determinou que o passarinho fornecesse alimento para as vítimas por um período de vinte luas novas e procurasse ter um comportamento exemplar, não repetisse essa falha para não receber uma correção mais severa. Antes de concluir a reunião, o presidente severamente chamou atenção do Pica-pau-barriga-amarela, por desdenhar de passarinhos menores e menos bonitos. Perante a floresta todos seus habitantes são iguais perante a Lei.

Cada qual tem sua beleza, são enfeites da natureza e determinou que o Pica-pau furasse numa árvore um buraco e construísse um ninho muito bonito para o menor passarinho que ali estivesse presente, o que deveria ser feito antes da chegada das chuvas.

Um casal de Beija-flor ganhou o ninho como presente o que deixou o Pica-pau-barriga-amarela furioso, porém diante da autoridade, prometeu obedecer à sentença. O presidente da reunião olhando para Caure disse:

Que sirva de exemplo, inclusive para a civilização dos homens, onde muitas vezes as ordens dos juízes são desrespeitadas, causando um mau exemplo para toda uma geração. Um dia, faça chegar ao conhecimento dos homens esse nosso procedimento. E se entre os homens existir uma melhor forma de aplicar a lei, nós precisamos conhecê-la. Deixemos, pois, que nossa vida seja norteada pela ética e moral.  

Com relação ao acasalamento, foi aconselhado aos pássaros que podiam namorar onde bem quisessem, mas no momento que a fêmea escolhesse seu parceiro, o outro macho deveria se afastar e procurar guarida noutro lugar, evitando desentendimentos. Determinou que os passarinhos evitassem o desperdício a fim de nunca faltar na floresta água e alimentos para todos. Tucano-de-bico-preto deu a reunião por encerrada e em silêncio, ouviram o belíssimo cântico do Uirapuru e a passarinhada se despediu na maior algazarra, voando em busca dos seus ninhos e de alimento, o Sol declinava no horizonte. Voavam milhares de pássaros num esplendoroso colorido. Nesse exato momento, a amiga preguiça, que havia prometido desocupar o local no início da reunião, olhando para trás disse:

Calma pessoal, para que tanta pressa!  Estou saindo.

Enquanto os passarinhos voavam para os ninhos, Caure refletia sobre o que havia presenciado, imaginando como é perfeita a natureza, onde os pássaros têm noção do certo e do errado e como vivem em harmonia, respeitando as leis da natureza. Atitudes simples que o homem em sua maioria ainda não conseguiu colocar em prática. Caure refletia que se os homens se comportassem como os pássaros, certamente teriam uma melhor qualidade de vida, e viveriam num mundo mais justo, onde não haveria exclusão social, guerra e fome. Todos os habitantes do planeta teriam acesso às necessidades básicas.

Caure continuou viajando pela floresta, acompanhado por Trovão, seu fiel cachorro. Ao chegar a um suntuoso lugar, onde alguns habitantes encantados da floresta prestavam homenagem ao deus Sol, encontrou um homem de nome Sum que falou de uma moderna civilização que conhecera muito distante da floresta. Nessa civilização as pessoas pareciam felizes, moravam em palácios, viajavam em naves pelo espaço e tinham outros hábitos, dominavam ciências desconhecidas por outras nações e usavam tecnologias avançadíssimas, mas esse mesmo povo era responsável pelas queimadas na floresta, matança de animais e poluição das águas. Caure não compreendia como esses homens promoviam esses crimes ambientais se eram tão adiantados tecnologicamente. Não entendia, porém, havia sido advertido por Lou que encontraria essas pessoas em sua caminhada, mas deveria ficar tranquilo continuando seu trabalho, pois ela estaria com ele no momento que fosse necessário. Caure se pôs a indagar sobre a civilização dos homens, queria realmente saber como eles viviam, pois depois que saiu de Tutóia havia tido pouco contato com seres humanos. Para enriquecer seu conhecimento e compreender o comportamento do homem ele precisava conhecer outro tipo de civilização.

Sum aconselhou Caure a restringir sua vida à floresta, assim poderia contribuir com mais intensidade na conservação do ecossistema, não somente na floresta amazônica, mas em outras florestas que existem em outros continentes, advertiu-o que conviver na civilização moderna é complicado e exige muita paciência e determinação. No entanto, Caure precisava conhecer melhor a Terra e Insistiu muito perante a natureza obtendo o direito de visitar lugares habitados por criaturas modernas. Assim, Caure aceitou esse novo desafio, e logo chegou a uma cidade, diferente de tudo o que havia conhecido. Queria fazer um estudo minucioso da cultura do povo daquele lugar. Lou havia lhe falado dessa experiência, pois ela já passara por esse caminho. Caure havia expandido sua memória e tinha uma grande capacidade de entendimento. Na medida em que obtinha mais conhecimento compreendia a razão da existência da raça humana. Ele precisava ver e sentir para poder entender o comportamento do homem moderno.

 

 

 

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