sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Samaúma

 

 Samaúma, também conhecida por Sumaúma é uma árvore que se realça entre todas por sua suntuosidade e mistérios que encerra. Entre diversas propriedades que possui, existe uma que se destaca sendo a capacidade de conservar água no seu interior para irrigar outras árvores em redor. Sua água ingerida pelo homem tem serventia medicinal no combate a pleurite e a dificuldade do parto das mulheres.
Suas sacopenbas servem de abrigo aos homens e animais como proteção das tempestades e dos predadores. Ela é considerada pelos moradores da floresta uma árvore sagrada. Suas sementes são leves, e com o vento se propagam a longas distâncias semeando a terra com novas samaúmas. É uma árvore milenar conhecida por povos antigos que contam suas lendas e histórias. Ela é dotada de extraordinário magnetismo e, quando tocada atrai a energia negativa transformando-a em positiva, aliviando as dores e os transtornos que uma pessoa esteja sujeito a sentir. Ao liberar a água do seu interior para irrigar árvores mais próximas, pode se ouvir a distância grande estrondo. Histórias sobre a Samaúma são narradas por antigos moradores que habitam a floresta vivendo na mesma frequência mental.
Refletindo sobre a flora amazônica à sombra de uma Samaúma, num sonho de ternura, Cauré contemplava sua radiante beleza. Ouvindo um som plangente entre as ramagens da árvore surgiu entre as flores, uma mulher de inefável beleza, com gestos nobres e perfumados. Seu corpo levitava sobre as folhas entre raios dourados do sol. Seus cabelos pareciam flocos de ouro, o semblante tinha a candura de uma rosa, possuía um olhar alegre, olhos docemente iluminados, a voz macia tal às pétalas da própria samaúma ecoava pelo universo e, em volta, uma aura de luz resplandecia. O manto de luz que a envolvia, fazia parecer que as nuvens se abriram e a natureza inteira se apresentou. O Sol brilhava alegre, e com raios de luz beijava as folhas da grande árvore; extasiado com tanta beleza, e com a voz embargada Caure indagou: ─ Você é Samaúma? ─ Não. Sou uma flor do seu jardim, respondeu com palavras. ─ E onde está o jardim? Indagou. ─ Você está dentro. Ele é o próprio encanto da natureza. Você se confunde com o jardim, porque também é parte dele, sendo imensurável. ─ Qual é o seu nome? ─ Luz, ou encanto, mas podes me chamar simplesmente de estrela, o nome pouco importa porque eu sou parte da natureza e você também o é. Sou um enfeite do jardim da samaúma, aqui estou trazendo encanto, alegria, saúde e também mostrando que você também está dentro dos encantos dessa majestosa e sublime árvore.  ─ Aonde vives, então? Com imensa expectativa indagou Caure. ─ Aqui nesse lugar. São coisas que compreenderá quando tiver uma luz transcendental. Estou noutra dimensão, ocupando o mesmo espaço que você, contrariando a ciência do homem, um dia não muito distante você entenderá. ─ Você me enleva e me conduz ao Criador, disse Caure com alegria incontida. Com uma tênue brisa, graça e singeleza a flor afastou-se deixando uma energia divinal e um imenso contentamento. As folhas da samaúma balançavam ao vento que se expandia sobre a mata florida. À distância, viam-se acácias e ipês floridos de branco, amarelo e lilás aformoseando a floresta. O piar dos pássaros alegrava a mata. Silenciosa e fagueira descia a tarde sobre a floresta com uma aragem serena que a tarde sopra ao morrer, o Sol poente com sua luz dourada banhava as águas com grande beleza, a natureza festejava. Flores perfumavam e invadiam as matas e Caure contemplava o entardecer de um dia pleno de encantamento num jardim de esplendores, vendo os sonhos despertarem em pétalas de luz ao por do Rei Sol.


quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Sereias do Solimões

Lembrei-me de uma história narrada por um morador da floresta, um Pagé da tribo dos Tucunacá. Contou-me que nos rios, lagos e cachoeiras existem segredos conhecidos apenas por moradores conectados com a natureza. São histórias contadas por encantados pertencentes a civilizações que existiram em um passado bem distante, perdido no tempo das recordações. Essas entidades acreditavam viver materialmente nas águas e florestas, e, embora possuíssem corpos com matéria de pouca densidade, eram vistas por pessoas sensíveis. Na nascente do caudaloso Rio Solimões, nomeado por nativos em homenagem ao Rei Salomão que visitara aquela longínqua região, existiu uma nação indígena que, como tantas outras existentes às margens dos rios, tinham e ainda têm a pesca como meio de sobrevivência. Ali, eles mantinham antigas tradições, e, entre tantas, uma era lembrada e festejada com muita alegria. Eles acreditavam que fazendo oferendas à rainha das águas, receberiam fartura para a tribo.
 Na época da piracema, nas noites de lua cheia, a nação promovia uma grande festa com danças, cânticos e farta alimentação, especialmente de peixes. Como tradição, faziam uma oferenda à rainha das águas que se constituía em ofertar uma moça índia para os encantos das águas. Assim, ela se tornaria sereia, e juntar-se-ia a tantas outras nas profundezas das águas. Ato, esse aceito com muita honra por aquela privilegiada entre as moças mais belas da tribo. O critério para a escolha constituía-se em; aceitar o sacrifício, ser virgem, e a mais formosa entre todas. No festejo a moça vestia-se com as melhores roupas e enfeitava-se com penachos dos pássaros mais belos da floresta. E, entre danças e cânticos adentrava o rio ou lago, quando seria recebida por sereias que a conduziriam a presença da sereia mãe, a rainha das águas, nas profundezas dos rios e lagos onde vivia em seu castelo de muitas belezas. Assim, eles acreditavam que com essa oferenda, as sereias mandariam para a tribo grande quantidade de peixes. Para alegria da tribo, a moça que se tornara sereia, no próximo festejo viria receber outra moça que seria mais uma sereia a mandar peixes para as zagaias dos índios pescadores. Então, as sereias existem nas florestas e águas dos rios e oceanos. Assim acreditava o povo daquela nação nos idos tempos da imaginação. Mas, alguém há de perguntar como podemos aceitar uma tradição dessa natureza! Colocar uma mulher em plena flor da idade no fundo de um lago para satisfazer a compreensão de um povo que acreditava numa crueldade daquelas? Porque a natureza é assim, nessa lendária história, a moça foi tragada pela água e, nela naturalmente sucumbiu. Não é a água que mata a moça, mas a crença do povo, pois sabemos que a água é a própria vida. Em alguns momentos a natureza é generosa, constrói, dá a vida, noutro momento ela é mãe voraz, destruidora com cataclismos, extinção em massa; nela há vida e morte em profusão. A natureza produz tudo e a tudo devora. Milhões de espermas e óvulos são produzidos e destruídos, flores e sementes são produzidas e dizimadas. É a dinâmica da vida comandada pela natureza. Uma terrível luta também se dá no reino vegetal; as plantas lutam para garantir um lugar ao sol, para ganhar espaço fazem guerras químicas entre elas produzindo venenos e bactérias, se opondo a outras plantas e raízes, num ciclo constante. Isso é uma reação à agressão do homem a natureza. Essa polarização encontra-se no homem, que tem inteligência, racionalidade, amor, mas ao mesmo tempo mostra demência.
 E, por falar em crenças, tive notícias de remanescentes de uma nação indígena que viveu no alto Rio Negro. Eles acreditavam que antigamente existia o dia, a noite também existia, embora, presa dentro de um caroço de tucumã. Coube a uma belíssima índia dotada de grande poder e magia, investigar e quebrar o caroço libertando a noite, mostrando a capacidade de investigação e criação que tem a mulher. Dessa forma indicando que a mulher é a dona do mundo, é ela que investiga, descobre, desvenda e cria, o homem é apenas um coadjuvante.


terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Riqueza do Pensamento






A riqueza maior de nossa vida é a inteligência que, com o raciocínio alimenta o pensamento e a transmissão para a consciência que é a atividade mais importante do pensar e o maior mistério da vida. Você já percebeu que tudo nasce no pensamento; a guerra, a paz, a desconstrução, a construção, o ódio, o amor. É no pensamento que se formam as mazelas, as virtudes, as doenças as curas, a saúde e as terapêuticas. Também vem pelo pensamento; a arte, o verso, a poesia, as formas, a inspiração do poeta. Enfim, sendo o pensamento uma poderosa força construtiva, com ele construímos o que pensamos, e somos o que pensamos, e também com ele criamos a nossa realidade. Filtrando os pensamentos, não criamos abismos em nossas vidas. Quando refletimos para pensar o que pensamos, entendemos a complexidade do pensamento que nos abre novos horizontes e, quando a crise se mostra é um sinal da necessidade de pensar, pois é com o pensamento que buscamos os “porquês”. E, quando pensamos, adquirimos identidade, encontrando nosso espaço no mundo nos tornando protagonistas de nossa própria existência que também nasceu de um pensamento. E quando pensamos que podemos refletir nos tornamos mais conscientes que necessitamos pensar cada vez mais.




domingo, 17 de janeiro de 2016

Mudanças

 
          Sim, podemos mudar, a mudança está no âmago da nossa vida; em nós mesmos, na família, escola, universidade, religião, quartéis, em nossos pensamentos, ideias e sentimentos. Podemos criar em nossa consciência um vigoroso sentimento de amor a nós, ao outro e  a pátria. Lembrando-nos das pessoas que sofrem pelo desamor de maus gestores do dinheiro público. Certamente não convém ofender, nem aos que se apoderam do dinheiro da merenda escolar, das escolas, hospitais e dos lugares onde são acolhidos os pacientes terminais, idosos e crianças, no entanto podemos contribuir com a Justiça para que ela possa condenar com rigor esses cínicos criminosos de gravata e paletó. Também podemos nos distanciar desses delinquentes sociais assumindo um compromisso com nós mesmos e com Deus, no sentido de restabelecer na sociedade a moral e a ética. Ao querermos transformar as pessoas, comecemos por nós, colocando as Leis e o pavilhão nacional em nossa consciência. Porque sem observância às Leis e amor a Pátria não existirá ordem nem progresso, e sem esses, não nos tornaremos uma nação poderosa, capaz de vencer os desafios do século, expurgando as terríveis mazelas que atormentam. Sendo a mais clamorosa delas, a falta de Educação em todos os níveis. Não podemos fugir da realidade do hoje, mas sim, buscar soluções para corrigir o curso da história e, a resolução mais consciente que conhecemos é a Educação. Sem ela, nada somos ou seremos e nada construiremos. Precisamos de mais emprego, Educação, menos feriados, carnaval, festas populares e discursos demagógicos. População analfabeta é manobrável, é ovelha de rebanho, obediência cega, ópio, doença, violência e vereda aberta para entrar a abominável corrupção, fanatismo religioso e político. Quando a população se encontra a mercê desses fatores negativos a quadrilha de paletó e gravata ataca tais Hienas, cada qual querendo um pedaço maior. Nós nascemos libertos, iguais à água que voa alto sem se deixar dominar. Nascemos pensantes para refletir a vida, o meio em que vivemos nos afastando cada vez mais dos falsos profetas e de todas as religiões que tentam dominar o homem. Para falar com Deus não precisamos de nenhuma delas porque Ele é a consciência clara  universal, presente em todo o Universo e conectado com todos nós. Os inimigos do Brasil, ontem condenados por corrupção amanhã voltam a se apresentar ou se fazem representar como salvadores pregando ideias, falando de liberdade, democracia, e até afirmando necessitarmos de uma nova constituição. Precisamos, sim, de respeito às Leis e amor a nossa Pátria. Democracia e Liberdade sem responsabilidade de nada valem. E, essa responsabilidade é de todos nós. Lembro-me, ainda, do meu pai quando falava dos que aplaudiam Getulio Vargas quando eleito pelo voto. Depois conspiravam com a finalidade de implantar uma ditadura farsista. Sabiamente Getúlio Vargas invertia a regra tornando-se ditador para evitar o pior. Os desprezíveis bajuladores eram sempre os mesmos em volta do Palácio do Catete. Hoje, os acontecimentos se repetem em outro cenário político, sendo os protagonistas descendentes daqueles e os objetivos idênticos; roubar o Estado. Entretanto, acredito no Brasil, nas Leis, na Constituição, em mudanças, em transformações para melhor. Não estamos à margem da história porque somos partícipes dela. O Brasil tem jeito, só depende de nós brasileiros amantes da Pátria fazermos a nossa parte.


terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Indelével lembrança

Havia descido a uma dimensão inferior distante da luz e do conhecimento, em decorrência de vidas passadas marcadas pelo orgulho, pai de todas as infelicidades, força que influencia grande parte da humanidade. Embora, num passado distante haja experimentado a proximidade e o exercício da virtude e do conhecimento, caminhava por fétidas galerias num ambiente estreito e escuro, com a sensação que cairia em um despenhadeiro. Tinha dificuldade de respiração e pensamentos vagos. Sem equilíbrio, caminhava sem destino certo. Sem lembrança da minha origem, e noção de tempo, poderia estar nesse lugar há uma eternidade. Sentia insegurança, solidão e medo, parecendo estar em uma caverna guiado por contínuas sombras. Sentia-me perdido em um labirinto sem saída, preso na escuridão física e mental, sem lembrança do passado do presente ou futuro. Mergulhado nesses esquecimentos, havia embaciada a lembrança da minha realidade. Após algum tempo, felizmente no alto enxerguei uma Luz que, embora entre nós existisse infinita distância, me confortava por enxergar além da cósmica escuridão. Ao longo do tempo descortinei no universo; astros, estrelas, a Lua e o Sol clareando a Terra e, vendo o nascer do dia e a claridade, não mais senti medo das trevas. Foi então, esta a primeira manhã que vi o Sol nascer. Na clareza de um esplendoroso dia descobri a vegetação, a luz solar se espargindo sobre ela nutrindo e embelezando suas plantas e flores molhadas pelo orvalho das auroras. Caminhando, senti nos pés a maciez da areia e da relva cobrindo à Terra encharcada d’água. A beleza e a riquíssima diversidade das plantas me alegraram levando-me ao encantamento. Pela força da natureza, devagarzinho desvendei o mistério da minha existência. O brando e suave vento tocava meu rosto e, mesmo sem conhecer sua origem agradou meus sentidos, embora, ainda indagasse para mim mesmo: Quem eu sou? Dessa forma senti a necessidade de pensar, sendo esse um atributo da minha alma que naturalmente surgiu no céu das minhas recordações. Quando o Sol deitou sua Luz no ocidente compreendi que pela primeira vez via o por do Sol e o surgimento da noite. Comecei, então, a entender a natureza e suas formas; os astros, estrelas, o Sol e a Lua clareando a Terra. Tudo era rico e belo, mas, precisava conhecer o arquiteto que havia construído essa Divina obra universal. Em uma alegre manhã com o Sol dourando um novo amanhecer, acordei ouvindo o trilar dos passarinhos, o sussurro da água no ribeiro e árvores enfeitadas de flores e frutos formando um inesquecível vergel. Parecia que a natureza estava em festa, aguardando uma ilustre visita. Ali permaneci procurando entender a natureza, buscando conhecer com mais clareza os sentidos e as formas, construindo um rico e profundo sentimento de amor pela fauna, à flora e as criaturas. Passeava pelas florestas, águas, santuários e por distantes lugares, mas ainda havia uma questão que não entendia; a razão da minha existência. Resolvi então, empreender uma longa viagem pelos mares, rios, florestas, e distantes lugares, assistindo o amanhecer e o entardecer. Nessa viagem cheguei a um lugar, avistando uma casa. Hesitei... Mas, ao aproximar-me escutei surpreendente cântico celestial sentindo um turbilhão de lembranças armazenadas em minha memória. Quando cheguei mais perto, recordei de passagens pela Terra, de lugares, pessoas, línguas, ciências e também de ilusões. A ciência me reconduziu à realidade, mas quanto às ilusões, suas lembranças e práticas me fizeram sofrer. Havia encontrado um lugar diferente de todos que conhecera. Um espaço para refletir sobre o que recordara; origem, destino e a razão de estar naquele misterioso lugar. Lembrando-me do passado, entendi o presente e o futuro. Quando me aproximei da bela casa azul, com janelas amarelas e cortinas de renda branca, esvoaçando com o vento, cumprimentei pessoas que sorrindo me abraçaram. Chorando de alegria lembrava-me que as conhecia e felizes festejávamos. Num ágape constante convivi com as pessoas que me anfitriaram e, juntas a mim aguardavam o que me seria surpresa. Todos se apressaram chegando à janela, queriam ver um Homem que passava e, eu também apressurei-me para vê-lo, que por certo seria importante, dado a contagiante alegria que reinava entre todos. O Homem que caminhava à frente tinha indelével beleza, vestia uma túnica branca, tinha nos pés sandálias, e no coração trazia o Amor, a Justiça e o Perdão. Com seu olhar senti toda a felicidade e a alegria que eu merecia. Jesus de Nazaré é o seu nome.


sábado, 9 de janeiro de 2016

Manda

─ Moço, afaste-se da janela, quer receber uma bala na cabeça?Nem sei o que você faz aqui! Esse é um lugar de malucos, hoje já morreram alguns inocentes, não quero que você seja mais um, disse um homem com um rifle na mão, mantendo aparente calma, embora jorrasse sangue da sua cabeça. Somente soube desse tiroteio quando havia entrado na cidade, respondi. Olhando pela fresta da janela enxergava as balas ricochetear sobre meu jipe estacionado na porta da Farmácia. Era uma cidadezinha de uma só rua, onde eu tinha dois clientes que em apenas uma hora os visitaria, depois seguiria pela estrada chegando à outra pequena cidade a cinquenta quilômetros, onde  dormiria sob os lençóis perfumados de uma respeitável dama. Assim se daria se não houvesse acontecido um imprevisto. Surpreso, por não saber o motivo do tiroteio, ouvia os tiros, as balas passar, as pessoas caindo e eu pensando que seria o próximo. Aturdido, nem me lembrava de fazer uma oração. Falava com as pessoas envolvidas no tiroteio, mas não me davam atenção, cada um cuidava de si. De repente segurei um homem que ferido rastejava próximo a mim, e, gritando perguntei o que havia? Ao olhar ele pareceu despertar, e me reconhecendo disse: ─ Como você entrou nessa briga? Por acaso, respondi, mas eu preciso saber a razão de tanta confusão. ─ O Tadeu engravidou minha filha, Manda e, não quer casar, esse é o motivo, respondeu. Permita, então, que eu proponha uma trégua? O comerciante hesitou, mas finalmente disse: ─ Permito, sim, mas, vá com cuidado para não morrer em uma luta que não é sua. Vou conseguir acabar com essas mortes, já resolvi questões mais complicadas, respondi. Estava embaixo de algumas sacas de babaçu e levantei-me devagarzinho, coloquei um lenço branco na ponta de uma barra de sabão e levantei o braço, o que foi suficiente para uma bala atravessar o sabão. Recuei. Meu corpo tremia, sentindo muito medo, mesmo assim, gritei: Hei! Aqui é o caixeiro- viajante, nós precisamos conversar, eu tenho uma proposta de trégua para cessar essas mortes, você pode me escutar?Do outro lado da rua alguém falou: ─Não se envolva em uma briga que não é sua, não queremos lhe atingir. No entanto o que tem a dizer? Se houver o casamento de Manda e Tadeu estará tudo resolvido?  ─ Sim, é isso que queremos, falou o homem. Então, amigo, imediatamente suspenda o fogo porque desse lado já interrompemos, disse eu. Não se ouviu nem mais um tiro, parecendo estarem ansiosos para por fim a batalha. Havia cessado a luta só com minhas palavras, mas eu não queria ser um herói, desejava unicamente salvar minha pele. Os mortos e feridos foram recolhidos, restando somente dor e sofrimento. No entanto, a guerra não terminaria enquanto não houvesse casamento. Face ao tiroteio, o padre havia se ausentado da cidade, o Juiz de Paz havia viajado à Capital, e às pessoas envolvidas não poderiam celebrar o casamento. Lembraram-se, então, do caixeiro-viajante. Sim, eu não poderia recusar, até porque não tinha como não aceitar, pois uma recusa poderia ser interpretada como desfeita e ali, ofensas costumavam terminar em tragédia. Aconteceu que Manda entrou em trabalho de parto, e outra vez lembrou-se do caixeiro-viajante que foi solicitado a levar a moça a uma parteira distante da cidade. Sem opção aceitei. Na estrada arenosa dirigia o jipe acima da velocidade segura, no alto o Sol brilhava tal uma manopla de fogo, a cigarra cantava anunciando mais calor naquele inesquecível dia. Ao meu lado Manda se contorcia de dor. Os capangas ocupavam o banco traseiro como garantia que eu levaria e traria de volta a moça, embora dissessem que era para minha segurança. ─ A bolsa rompeu, disse Manda. Parei o jipe à sombra de um babaçu, e sem pestanejar, um capanga mal-encarado disse: ─ Faça o parto. Eu respondi: Não sou parteiro. ─ Faça assim mesmo, se não fizer eu varo sua cabeça com uma bala. Virei o corpo dando-lhe uma pernada no pescoço que o deixou desacordado. Senti um cano frio de uma arma na minha cabeça e o outro capanga dizendo: — Faça o parto ou estouro seus miolos. Naquela circunstância respondi: Vou ver o que faço, lembrando-me que havia deixado a Luger alemã no porta-luvas. — Assim é melhor, disse o sujeito com um sorriso sarcástico. Afastei os homens, um ainda zonzo, coloquei manda numa posição confortável e lembrei-me de alguns ensinos que uma bondosa mulher havia me ensinado. Rezei o pai nosso e pela primeira vez fiz um parto e continuei vivendo para contar a história. Voltei à cidade com Manda e o menino ao meu lado, ela sorrindo, e ele chorando. Os capangas no banco de trás conversando, diziam: Antes que ele saia da cidade eu devolvo a pernada que ele me deu... No dia seguinte na cidade reinava a paz e harmonia. Celebrei o casamento e batizei um lindo menino, dando-lhe o nome de Felipe. Nunca mais voltei lá, mas espero que ele esteja vivendo com saúde, e que haja paz e harmonia em sua longínqua cidade do sertão maranhense.

 

 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Sonho de Menino

Sonho de Menino
 
O menino sonhou falar com uma flor que morava no alto da serra, lugar misterioso para ele, porque o sol ao se despedir todas às tardes beijava a serra. O dia amanhecia numa canção de alvorada, o menino subia a montanha na esperança de se encontrar com a flor que havia visto em sonho. Açucena uma flor rara naquela região, e que só se mostrava na primavera, portanto, seria um privilégio poder falar-lhe, e tinha pressa, sabendo que a flor se mudaria para outro lugar, conforme sua mãe havia  lhe ensinado. Caminhava com passos miudinhos de criança, porém, apressados temendo chegar tarde e a flor já haver se mudado de lugar. Exausto pela subida resolveu sentar-se à sombra de uma gameleira para melhor observar, quando bem perto avistou a flor. O menino foi tomado por surpreendente alegria, e dirigindo-se a ela, disse: — Olá, florzinha sonhei com você, por isso vim vê-la.  — Eu sei! Nós nos encontramos em sonho, eu também quero lhe falar, respondeu a flor, ainda orvalhada pelo sereno do alvorecer. — Sim, é verdade, mas o que faz você nesse lugar tão deserto? Existem lugares onde você pode ser vista com mais facilidade e mostrar sua exuberante beleza e felicidade. — Não estou sozinha, sou um enfeite da natureza, as outras plantas me fazem companhia e estou aqui para tornar esse lugar mais encantador, esta é minha missão. Em meu mundo encantado, sou vista por poucos, e você é um privilegiado por ter o direito de me ver e ouvir. Em breve não mais estarei aqui, mas no curso normal de sua vida, você me verá e com outras flores conversará, e também ouvirá bons conselhos. Nem sempre nos verá em forma de flor, por sermos encantadas nos mostramos como convém à natureza. Ao longo de sua existência, procure amar a vida, a liberdade e a natureza e, assim, terá momentos fascinantes em sua longa e luminosa vida. — Sim, farei isso, mas não vá embora, dê-me a esperança que ficará aqui para falar comigo outras vezes. Eu me sinto tão só! Prometa não ir embora, eu preciso conhecer tantas coisas, você pode me ensinar o que é a morte, a vida, minha origem, meu destino. Assegure-me que nunca morrerá, não quero lhe perder.  —Ora, menino! As flores não morrem, a morte não existe, é só uma palavra, uma mudança, uma passagem, não é um final, só existe a vida, essa, sim, é eterna. As flores são enlevadas pela natureza a outros lugares para encantar, trazendo a felicidade e alegria. Assim como fazem os passarinhos, as borboletas e também, os vaga-lumes que enfeitam as noites com pequenas luzes, anunciando a claridade de um novo dia. — Você é tão linda, amanhã voltarei a vê-la, disse o menino. Num gesto de carinho beijou suas pétalas umedecidas pelo orvalho da manhã e prometeu voltar no dia seguinte ao nascer do sol. Com grande alegria, desceu a montanha sob um sol de manhã sorridente. Em sua mente conduzia à flor, imagem do amor florescendo em seu coração. Na manhã seguinte voltaria na esperança de encontrar-se com açucena. Num lindo arrebol o menino corando de alegria subiu a montanha encontrando no lugar, um pomar com belíssimas flores, árvores floridas, outras carregadas de frutos e, madeiras com imensos favos de mel, mas não vendo a flor, permaneceu em silêncio a pensar: Você é tudo que eu vejo nesse vergel de grande beleza; a natureza, o amor, a grandeza, e é também você, o silêncio, o brado dos que não falam, pois é no silêncio que faço minhas preces, adoro o sol, as estrelas, choro e me alegro. Amo e falo com você, minha adorada flor. Com os olhinhos marejados, mas radiantes de felicidade e alegria, e o pensamento sonhando, o menino contemplou o sublime encantamento, e guardou tudo em segredo por toda a sua infância.

 

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

O Relógio e o Menino

  Dona, aqui está à chave do quarto, não mandaram o dinheiro e eu não posso lhe pagar. Não fico em sua casa para não aumentar a conta.  ─ E a semana passada quem paga? — Vou trabalhar e voltarei para saldar. Dona Inês sabia que nunca iria receber, fez um muxoxo dando as costas para o menino que daí para frente adotou a rua como sua morada. O menino caminhou cinco quilômetros até chegar ao centro da cidade, cinco quilômetros que lhe pareceram cinquenta. Sentia-se fraco, precisava se alimentar coisa que não fazia há pelo menos dois dias. A esperança era encontrar alguém que lhe oferecesse alimento por sentir vergonha de pedir. Tinha então, dez anos e havia descoberto que para enganar a fome, o melhor remédio seria não pensar nela. Assim, em duas horas de caminhada chegou à Praça do grande relógio, seu refúgio onde passava o tempo sem olhar as horas no relógio da praça para não sentir as horas de fome, por serem muito longas. O menino procurava postar-se de costas para o centenário relógio que ainda hoje se encontra naquela praça. De costas não enxergava os ponteiros do grande relógio, embora ouvisse suas badaladas que também o faziam lembrar-se da necessidade de alimento, amor e carinho. Então, bebia água e sonhava com sua família, que por necessidade o abandonara. Sem entender o que o mundo lhe impusera, rezava uma oração, única, que sua amada mãe havia lhe ensinado; Pai nosso que estás nos céus... A tarde se esvaiu no relógio do tempo e a noite mansamente se apressou a mostrar no céu as estrelas e o clarão da lua. O menino, ainda, acordado observava o caminhar indiferente das pessoas  à sua volta, no entanto acreditava encontrar a solução para sua vida e, abstraído em seus pensamentos, dormiu. Duas badaladas repicaram nos ouvidos do menino, e dos sonhos de criança, assustado despertou para a sua realidade. Duas horas da manhã e os ponteiros do relógio lembraram ao menino a necessidade de saciar sua fome. Um homem simples, com semblante calmo, sereno e de grande beleza, estendeu-lhe uma mão e com a outra lhe ofertou um saco de papel com três pães. O menino sentiu o delicioso cheiro do pão que muito lhe agradou e com alegria incontida, sorrindo, aceitou. Em minutos havia degustado o saboroso pão que pareceu trazer em sua essência toda a fartura, a paz e a justiça do mundo.  — A fome passou! Disse o menino. ─ Mas quem é você? Perguntou. —  Sou alguém que também mora na rua, mas se tranquilize um dia todos nós seremos hospedes de um só rei e viveremos numa só mansão.  Agora, olhe o céu, as estrelas, fale com elas, peça alguma coisa, um dia você será uma delas. Então, o menino pediu:  — Estrela dê ao meu amigo muito pão para que ele possa distribuir com quem precisa mais do que eu, pois não mais sinto fome. O menino adormeceu sonhando com os carinhos dos seus pais que lhe abriam uma imensa porta, dando-lhe acesso a uma belíssima morada, num recôndito lugar de suas recordações.  O relógio badalou e o menino despertou sem fome e sem medo, havia recebido o alimento da alma, o amor. Chamou o homem, e não o encontrando, afirmou: — Seu nome é a primeira Luz que eu enxergar no Universo.