— Dona, aqui está à chave do quarto, não
mandaram o dinheiro e eu não posso lhe pagar. Não fico em sua casa para não
aumentar a conta. ─ E a semana passada
quem paga? — Vou trabalhar e voltarei para saldar. Dona Inês sabia que nunca
iria receber, fez um muxoxo dando as costas para o menino que daí para frente adotou
a rua como sua morada. O menino caminhou cinco quilômetros até chegar ao centro
da cidade, cinco quilômetros que lhe pareceram cinquenta. Sentia-se fraco,
precisava se alimentar coisa que não fazia há pelo menos dois dias. A esperança
era encontrar alguém que lhe oferecesse alimento por sentir vergonha de pedir.
Tinha então, dez anos e havia descoberto que para enganar a fome, o melhor
remédio seria não pensar nela. Assim, em duas horas de caminhada chegou à Praça
do grande relógio, seu refúgio onde passava o tempo sem olhar as horas no
relógio da praça para não sentir as horas de fome, por serem muito longas. O
menino procurava postar-se de costas para o centenário relógio que ainda hoje se
encontra naquela praça. De costas não enxergava os ponteiros do grande relógio,
embora ouvisse suas badaladas que também o faziam lembrar-se da necessidade de
alimento, amor e carinho. Então, bebia água e sonhava com sua família, que por
necessidade o abandonara. Sem entender o que o mundo lhe impusera, rezava uma
oração, única, que sua amada mãe havia lhe ensinado; Pai nosso que estás nos
céus... A tarde se esvaiu no relógio do tempo e a noite mansamente se apressou a
mostrar no céu as estrelas e o clarão da lua. O menino, ainda, acordado
observava o caminhar indiferente das pessoas
à sua volta, no entanto acreditava encontrar a solução para sua vida e, abstraído
em seus pensamentos, dormiu. Duas badaladas repicaram nos ouvidos do menino, e
dos sonhos de criança, assustado despertou para a sua realidade. Duas horas da
manhã e os ponteiros do relógio lembraram ao menino a necessidade de saciar sua
fome. Um homem simples, com semblante calmo, sereno e de grande beleza,
estendeu-lhe uma mão e com a outra lhe ofertou um saco de papel com três pães. O
menino sentiu o delicioso cheiro do pão que muito lhe agradou e com alegria
incontida, sorrindo, aceitou. Em minutos havia degustado o saboroso pão que
pareceu trazer em sua essência toda a fartura, a paz e a justiça do mundo. — A fome passou! Disse o menino. ─ Mas quem é
você? Perguntou. — Sou alguém que também
mora na rua, mas se tranquilize um dia todos nós seremos hospedes de um só rei
e viveremos numa só mansão. Agora, olhe
o céu, as estrelas, fale com elas, peça alguma coisa, um dia você será uma delas.
Então, o menino pediu: — Estrela dê ao meu
amigo muito pão para que ele possa distribuir com quem precisa mais do que eu,
pois não mais sinto fome. O menino adormeceu sonhando com os carinhos dos seus
pais que lhe abriam uma imensa porta, dando-lhe acesso a uma belíssima morada,
num recôndito lugar de suas recordações. O relógio badalou e o menino despertou sem
fome e sem medo, havia recebido o alimento da alma, o amor. Chamou o homem, e
não o encontrando, afirmou: — Seu nome é a primeira Luz que eu enxergar no
Universo.
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