terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Vida Mansa



Na distante terra da exuberante Amazônia
Na imensidão da majestosa floresta
Onde o homem branco nem sonhou pisar
Em plena harmonia com a natureza
Mora o casal mais belo que já existiu
Inajé e Avasy da tribo dos cajurás
Inajé tem o porte de um deus da beleza
Avasy a beleza que o escultor sonha criar
Moram num Tapiri à margem do Igapó
Aonde a água mima os peixinhos
Que na claríssima correnteza passeiam
Vivendo do jeito que a natureza criou
Lugar aonde a roupa ainda não chegou
Entre campinas, corredeiras e florestas
Numa pura e sublime felicidade
Cenário   enfeitado pelas cores da natureza
Destacado entre moradas de passarinhos
E bichinhos simpáticos das matas
O Sauim, alvas garças e as borboletas azuis.
Das manhãs alegres e ensolaradas
Surgem as sonhadas esperanças
De ver a suave e mansa tarde chegar
Embelezada pelo belo cantar ritmado
Dos tucanos, bem-te-vis, maitacas e sabiás,
Anunciando a meiga noite se apresentar
O Sol se despede com seus raios dourados
Quando Inajé e Avasy se recolem ao tapiri
Para em festa contemplar, à noite, o luar e as estrelas
Quando mansa e meiga chega à noite enluarada
Juntinhos dormem se acarinhando numa rede de tuíra
Sonhando com as belezas e perigos do dia
Admirando as  flores,roseiras, sororocais e palmeirais
Fugindo da onça pintada, montados num jacaré-açu
Onde em ritual de amor esperam o amanhecer chegar
Admirados, ouvem o melodioso cantar do Uirapuru
Ao romper da aurora Inajé vai o almoço pescar
 Tucunaré, jaraqui e tambaqui sem mais nada faltar.
 E tudo a recomeçar.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Anauá


ANAUÁ      

Encontrei-me com Palmari em 1990, em uma inesquecível expedição, quando juntos visitamos o Império de Naidon, uma civilização que existiu há muitos mil anos. Em 2010 recebi uma mensagem de Palmari que novamente pedia um encontro na mesma região, próximo ao Pico da Neblina, lugar localizado na serra do Imeri, próximo à fronteira com a Venezuela e Colômbia, sendo o ponto mais alto do Brasil com 2.994 metros de altitude. A bacia amazônica onde o Amazonas está inserido é o resultante de um mar; um golfo, entre dois escudos, duas plataformas formadas de rochas primitivas, uma ao norte, formando o escudo das Guianas e outro ao sul, formando o escudo do Brasil Central. Esse golfo abria-se para o oceano Pacifico, fechando-se do lado Atlântico pelo escudo africano, que ainda não se desmembrara das Américas. Isso aconteceu há mais de setenta milhões de anos. No período terciário com a elevação da cordilheira dos Andes formou-se ali uma gigantesca barreira onde existiam mares internos bloqueando a saída para o pacífico, mudando sua direção para desaguar no Atlântico, formando a bacia amazônica. Depois da separação do continente africano algumas transformações começaram a acontecer; o aparecer e o desaparecer de civilizações, indicações rupestres deixadas por povos antigos e energias que quando capturadas materializam vivencias do passado. Com o avanço da ciência e tecnologia a pesquisa tornou-se mais avançada e podemos contar sua história, embora ainda seja uma ínfima parte do que esperamos conhecer. Há dois anos planejava fazer uma expedição nessa região a pedido de Palmari que na vez passada trouxe ao mundo uma revelação que vem mudando o rumo da história da humanidade. Privar da companhia desse ser é um extraordinário privilegio, por ser ele conhecedor das florestas, das águas dos segredos e mistérios dos quatro reinos da natureza, de civilizações e culturas arquivadas no templo das lembranças das infinitas recordações.

 Quatro horas da manhã, o comandante Silvestre aquecia a aeronave, pois estaríamos num voo de pelo menos quatro horas. Um avião de pequeno porte e São Gabriel um imenso município localizado nos confins do estremo norte do Amazonas, nosso destino nessa viagem. Rapidamente nos reunimos embaixo da aeronave, falei algumas palavras e decolamos. Éramos quatro expedicionários, Silvestre, habilidoso piloto e conhecedor do extremo norte, Ailã e Anajé conhecedores da floresta, e eu, determinado a cumprir uma missão. Brevemente estaríamos reunidos com Palmari em algum lugar próximo ao Pico da Neblina. Sobrevoando o norte do Amazonas sobre o Rio Negro admirava a Bacia amazônica atapetada de águas e floresta detentora de segredos e mistérios da natureza, e absorto em pensamentos, exclamei:
Floresta, sublime inspiração,
Da natureza esplendorosa criação
Arco-íris, seiva das belezas da vida.
Fonte de brilho, encanto e pureza.
Favorece o equilíbrio das matas
Guarnecendo as lindas cascatas
Floresta, firme cores da natureza.
Branca pureza imaculada
Azul cor firme do infinito
Verdes árvores de tuas matas
Amarelo das rosas e flores
Tela da natureza infinita grandeza
Símbolo de resistência e magia...

Após três pousos, chegamos à bela cidade de São Gabriel, localizada entre rios; cachoeiras, corredeiras, ilhas, montanhas e santuários deslumbrantes. Lugar onde seus habitantes falam o Português, Nheengatú, Tucano, Baníua, Baré e outras dezenas de Dialetos, ensinados nas escolas, tendo uma população quase toda indígena com uma extraordinária cultura. Cidade marcada por excelentes instituições de ensino com a presença das Forças Armadas Brasileiras e dos Salesianos, ricos na arte de educar. Silvestre guardou o avião, e nos dirigimos ao  hotel. Estávamos exaustos e Ailã sentia ânsia de vômito, por não ser dado a viagens longas, mesmo assim, após o jantar Ailã e Anajé se ausentaram para conhecer os pontos turísticos da cidade. Eu e silvestre permanecemos no hotel planejando o dia seguinte que certamente não seria fácil, dado o tanto que faltava para chegarmos ao encontro com Palmari. Às quatro horas da manhã estávamos prontos e Ailã tinha o Land Rover abastecido, pronto para a viagem. Serviam o café quando surgiu em minha frente uma mulher dizendo chamar-se Anauá, pedindo para me acompanhar até a área do Pico da Neblina. — Eu nasci e vivo nessa região, e sei o que procuras: disse Anauá. — Como você sabia da expedição? — A cidade é pequena e o bem-te-vi traz as noticias boas. Achei estranho, mas a expedição não era secreta. Consultei os expedicionários, e eles consideraram sua utilidade como guia. Anauá embarcou e o Lander Rover lotou. Estávamos na estrada com destino a Ya-Mirim, e por indicação de Anauá, pelo atalho economizamos três horas e chegamos ao meio dia. Em Ya-Mirim deixamos o Landerrover, e numa potente lancha turbinada viajamos até Camaburis, onde armamos o primeiro acampamento. Anauá indicou um caminho e chegamos a Bebedouro Velho. Era noite, e alegres festejamos o sucesso da expedição, com uma oração brindamos e, ao criador rogamos sua benção. Chovia de mansinho e nos recolhemos às barracas. Estávamos exaustos.

Meditava estar distante de casa, nos confins da Amazônia, quando fui surpreendido por inesperada visita. Anauá chegou a minha tenda, pediu para entrar e olhando nos meus olhos disse: — Sou eu, seu guia daqui para frente. Nada respondi, porque fiquei embasbacado, nem sabia o que dizer. Até então não prestara atenção à beleza daquela mulher, porém ao olhar seus olhos senti uma energia transcendental, estava diante de mim uma pessoa de radiante beleza e encantamento. Encantei-me por ela sem ver o tempo passar experimentando uma felicidade e contentamento que me fez viajar para o céu do meu inconsciente, sem lembrar as desventuras que um dia senti. Tudo de Anauá naquele efêmero instante eu desejei, e sei que nada eu obteria se não fosse por sua própria vontade. Quis tocar seu corpo, mas desencorajado fui, pelo seu sublime olhar de pureza, e voz, envolvido por luminosos raios de luz. Extasiado perguntei:  — Quem é você? — Sou servidora da casa do velho Palmari. Ainda hoje chegaremos a sua casa, respondeu. — Porque não nos conduziu a sua presença? — Dele você terá a resposta, respondeu Anauá. — Na aurora boreal seguiremos uma trilha e após duas horas de caminhada  estaremos com Palmari que lhe aguarda para transmitir uma mensagem, concluiu a enigmática mulher. Ailã e Inajé caminhavam à frente, Anauá indicava a direção e os mateiros abriam espaço entre o sororocal e o palmeiral, parecia que os mateiros não tocavam no chão, nunca havia visto homens dessa natureza. Era manhã radiante, o Sol brilhava num céu azul sem anunciar chuva, proporcionando aos meus olhos e sentidos uma deslumbrante manifestação da Natureza. — Como sabes estarmos na direção certa? Perguntou Silvestre. — Pelo sinal de Anauá. — respondi. Assim respondi por sentir que éramos guiados por Anauá. A cada passo a estrada se alargava  sentindo a felicidade se expandir dentro de mim. Entre cachoeiras cristalinas, arco-íris, e plantas amazônicas floridas; Cipó Mariri, Pau-d’arco, Castanheira, Mulateiro, Caranapaúba, Maçaranduba, Apuí, Breu e Samaúma. Entre tantas não enxerguei a altura da Majestosa Samaúma indo além das nuvens como se estivesse ligada ao Sol e estrelas no infinito. Encontrava-me em um santuário, onde o cenário era a Natureza. Descobri estar penetrando em um sagrado espaço, entre árvores milenares, plantas medicinais, um ambiente de pura energia. Estávamos felizes e eu, lagrimando procurava entender à força da Natureza. Raios do Sol como por encanto se transformavam em cristais formando uma casa enfeitada com árvores e flores em forma de luz dourada, cascatas de luz surgiam entre jardins suspensos num espaço de luz colorida, arco-íris se projetavam no infinito céu. Anauá, Inajé, e Ailã tragados pela luz se transformaram em entidades de outra dimensão. Sorrindo Palmari se apresentou, e ao aproximar-se senti sua pura energia. — Eles foram ao seu encontro e você não os reconheceu: O cavaleiro, Wanda, Bento e Naira e Anauá são a mesma luz e estão sempre presentes em sua vida. A mensagem que lhe entrego é: Difundir para a humanidade que o espirito encarnado pode e deve comunicar-se com o Universo pelo pensamento captando ondas gravitacionais, escutando seres, ouvindo o Cosmo colhendo ensinamentos, edificando um planeta de Paz. Cabendo a cada um construir seu próprio ser usando como ferramenta a ciência. Essa é a mensagem que só poderia ser revelada em um lugar de energia limpa em algumas regiões da Terra. Concluiu dizendo: em breve nos veremos!

Estamos regressando, sobrevoando belas cachoeiras, praias de areia alva qual a flor do lírio, daqui pode-se sentir a calmaria da floresta, o piar dos passarinhos, o silêncio do pouso da garça. —Veja Silvestre! Vem um avião em nossa direção. — Trata-se de um avião militar, certamente caçando traficantes. — Vi seu olhar para a bela Anauá! — Ela é encantada e mora muito distante da terra. — Silvestre preste atenção ao voo, do contrário, eu não coopero com o combustível. — Não conto com isso, você é pão duro. — Você seria capaz de namorar a Anauá? — Não brinque coisa seria a gente nunca sabe... — Ah... Ela é muito linda... —Veja! Que praia linda!!!

 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

A Luz e o cavaleiro

  
Antônio tinha nove anos de idade quando acompanhou o pai conduzindo uma tropa de burros para uma cidade próxima. Habitualmente os tropeiros chegavam cedo aos locais aonde se iniciava a feira. Antes do amanhecer, ao se aproximarem do local da feira agasalhavam os animais num curral à beira da estrada até o dia amanhecer. Dessa maneira, o menino e seu pai procederam, visto que cavalgavam há pelo menos seis horas. O burro que o menino montava não tinha cela, era uma cangalha. Ele sentava entre dois cambitos, mantendo o corpo ereto para não machucar as costas. Por ser uma posição incômoda, mantendo-se sentado sem proteção sobre a madeira, em poucas horas parecia uma eternidade. A fim de suportar o desconforto, cantava as modinhas que sabia ou chorava baixinho para o pai não escutar. Entre um soluço e outro pedia a Deus que logo chegasse ao destino, ou pelo menos houvesse uma parada para livrar-se daquela sofrida posição, porém precisava chegar à cidade antes do Sol nascer. Era fria madrugada, o menino repousava sobre uma manta ao lado do pai, e extasiado ficou ao avistar uma potentíssima luz se espargindo sobre eles, o pai também percebeu e mansamente aconselhou: — Durma menino!  É  apenas uma luz. O menino adormeceu sorrindo, não mais sentia as dores causadas pela torturante viagem sobre a cangalha de madeira. Ao acordar perguntou ao pai: - Qual a serventia da Luz? — Serve para clarear nossa consciência, nosso caminho, e o discernimento. Se o Sol não clareasse a Terra, seria escuro igual a breu. O Sol e as estrelas é quem clareia nossos passos, nossa memória, e também nos faz lembrar a existência de Deus. Você já imaginou se nós não distinguíssemos o mal do bem! Certamente o mundo seria insuportável. Ora, que pergunta! Completou o tropeiro. — Você falou discernimento! O que significa? Pai, você fala coisas que eu não entendo... —Menino! Discernimento é a nossa compreensão, é o que nos faz diferenciar o errado do certo, nos auxiliando a promover nossas escolhas, pois, libertos que somos, podemos livremente escolher nosso caminho. ─ Um dia você entenderá que o homem pode fazer tudo que quiser, mas para caminhar no caminho certo, só deverá fazer o que é para fazer. ─ Pai! O que é o errado e, o que é o certo? — O errado é o caminho torto, e o certo é o caminho de Deus, claro, sem torturas. Compreendeu? Disse o pai. ─  Não pai! Mas vou me esforçar para entender, respondeu o menino. ─ Quem são as estrelas? Perguntou o menino ─ São raios luminosos do Sol. Quando morremos nos transformamos em estrelas, e as que mais brilham são das pessoas que se tornaram iluminadas, a exemplo do coronel João Rodrigues que tem um filho padre, outro médico e um advogado. Dizem até que a estrela do Oriente guiou os três reis magos até Belém onde Jesus nasceu. Essa, sim, é uma estrela poderosíssima. — E onde ela está? — No céu, é claro. Onde poderia estar uma estrela, senão no céu? — Será, então, que a luz que nos clareou era uma estrela? — Claro que sim. O que mais poderia ser? — E se ela tivesse nos levado para o céu? —Ora menino! No céu só entra quem não tem pecado. — Ah! Então minha mãe quando morrer vai para o céu, visto que ela não tem pecado, disse o menino. — Ninguém morre, a morte é apenas uma mudança, quando nascemos para outra dimensão, e livre desse denso corpo, nós viajamos pelo infinito Universo conhecendo as moradas de Deus. Sua mãe, certamente irá para o céu. ─ Chega de perguntas, vamos colocar a tropa na estrada, logo mais o Sol nascerá, mais uma vez. Noutro dia falaremos dessas coisas, disse o pai. — Só mais uma perguntinha! Por que uma estrela iria se mostrar para dois tropeiros? — Ora menino! Não encha minha paciência, os mistérios de Deus têm valores que desconhecemos. Deus sabe que existimos, somos parte dele. Para Deus todos os homens são iguais, tropeiros ou doutores. Jesus nasceu numa manjedoura entre homens e animais, seu pai, José, também era um humilde carpinteiro, pobre, igualzinho a nós tropeiros. Agora chega de conversa, concluiu. — Já podemos enxergar as primeiras casas de Santa Quitéria. ─ Ah!... Que linda cidade! Murmurou! A manhã sorria gargalhadas de luz e o vento sussurrava entre os galhos secos à beira da estrada empoeirada. O velho tropeiro admirava as casas enfeitadas com bouganviles. Os tropeiros eram os primeiros visitantes a chegar naquela inesquecível e sorridente manhã, dourada pela Luz do Rei Sol. Para Antônio todo aquele movimento era alegria com sabor de aventura, sentindo-se imensamente feliz. A tropa se acercou do mercado onde permaneceria recebendo farta ração de milho. O menino, também ali ficara cuidando da tropa,  enquanto o pai foi em busca de negócios. O menino observava o mercado central e o intenso movimento dos feirantes oferecendo mercadorias, vendendo ou fazendo troca de animais, alimentos e objetos. Um feirante negociava a troca de uma espingarda lazarina por um jumento. A arma era velha, mas pouco usada, considerando que a fauna era minguada na região. Quem ficasse com a espingarda, ganharia pólvora, espoleta e bucha, material suficiente para produzir vinte cartuchos. O agricultor argumentava que a espingarda só havia sido usada por lampião quando esteve na cidade testando o artefato. — Sim, Lampião esteve aqui experimentando a espingarda, com firmeza afirmava o sertanejo. Antônio concluiu que em breve chegariam a um bom acordo e, dirigiu-se a uma tenda de artistas, poetas e trovadores; um homem contava histórias, outro declamava versos de cordel, outro se apresentava num teatro com bonecos de pano, fantoches e marionetes, outros cantavam emboladas. As feiras daquela região eram ricas em cultura popular e artesanato, a produção de arte da região era apresentada na feira, assim denominada. Uma escrevente fazia cartas contendo pedidos de namoro e casamento; os rapazes formavam fila para obter as missivas e endereçá-las às futuras namoradas em diversos e distantes lugares do sertão. A escrevente colocava nas cartas imagináveis palavras que o remetente diria, avaliando pela fisionomia dos remetentes, embora, os dizeres nas cartas fossem quase sempre os mesmos. Em versos a mulher traduzia o pensamento dos rapazes relativo à futura namorada. Noutra barraca uma cartomante adivinhava o passado,  presente e futuro. Essa tenda era muito concorrida, por belas moças que passeavam com vestidos coloridos. Visitavam a tenda e, ao afastarem-se elas se mostravam alegres. Certamente haviam recebido alvissareiras promessas que um dia encontrariam um príncipe encantado em suas vidas. Sobre engradados de galinhas, sentado, o menino Antônio degustava guloseimas preparadas por Dona Justina, mulher de bigode, que por certo não era postiço. Moradores afirmavam que em dia de lua cheia Justina se transformava em lobisomem, mas como seus doces eram deliciosos o menino não resistia à vontade de degustá-los. Ao falar com Justina, o menino nunca olhava nos seus olhos, pois contavam que, quem os visse se transformaria numa coruja da noite e morreria em quarenta dias. No coreto da praça uma banda de música da prefeitura executava valsas e chorinhos para alegrar a feira que competia com outra próspera cidade. A primeira delas colocada, em organização e negócios sediará a próxima vaquejada, festa que atrairá grande número de pessoas, negócios e, naturalmente, prestígio e lucro para a comunidade. Para o sertanejo a feira é importante, pois é ali que encontra um jeito de comunicar-se com o outro, adquirindo uma visão ampla e socializada do mundo em que vive. O dia da feira acontece, na maioria das vezes, aos domingos, quando os fiéis católicos assistem à missa e às celebrações de casamentos e batizados. Na cidade ainda não existiam templos de outras sagradas religiões e o movimento convergia para a igreja católica, onde os fiéis pagavam promessas, pediam a bênção do vigário, e outros recolhiam o dízimo para o padroeiro da cidade. Naquele ambiente festivo, Antônio havia esquecido o sofrimento da viagem, e às dezessete horas regressava sem o pai que ficara concluindo negociações, e após, acompanharia o filho. Estava na  estrada apenas, o menino e a tropa de burros. Embora mantivesse em segredo, ele temia viajar sozinho, em especial à noite, visto que em três horas estaria escuro e atravessaria um cemitério. Antônio tinha muito medo de alma, mas apesar disso, continuou em sua montaria cavalgando a galope, queria passar pelo cemitério antes do anoitecer. Silencioso e calmo surgiu o negrume da noite, e o menino adormeceu a sonhar com um cavaleiro montado num cavalo árabe com arreios de prata e ouro. O Homem tinha porte de um rei, beleza de um deus mitológico, e semblante tranquilo, qual o nascer da Lua. Durante o sono Antônio não sentiu medo, e mesmo em sonho foi acolhido por intensa alegria. O majestoso cavaleiro carinhosamente disse: — Durma que eu conduzirei a tropa. Antônio adormeceu sem sentir o tempo passar. Após horas, chegou à sua casa sem faltar um só animal. Na sequência surgiu um homem na estrada; era seu pai. Quanto ao cavaleiro, ninguém viu. Segredo guardado em sigilo pelo menino por toda sua infância. Quem sabe revelada na próxima obra do autor!