terça-feira, 18 de outubro de 2016

Sonhando


Antonio de Albuquerque


Sonhando


Acordei com saudade tendo a sensação que em sonho visitei um passado muito distante. Essa era a impressão. Pela janela do Tapiri ouço a algazarra de crianças a brincar, embora adore crianças não consigo boa concentração escutando o encantador rumor que fazem, parecendo passarinhos chegando aos seus ninhos. Nem consigo pensar, embora volte a sentir incontida saudade e os pensamentos me conduzindo a idear lugares e pessoas que até penso não conhecer. Dizem que ao dormirmos nosso espírito visita lugares, coisas e pessoas. Creio nessa afirmação lógica, visto que fora desse corpo material possuímos incomensuráveis atributos e possibilidades que ainda desconhecemos. Quando do sonho ao corpo retornamos nada ou de quase nada nos lembramos. Não recordamos em face da matéria pesada que ocupamos, assim afirmam os que procuram entender o que é a matéria e o que é o espírito.

 Quem sabe! Caminhando pelas ruas deixarei para trás essa triste saudade! Pensei. Era cedo e as ruas estavam quase desertas, apenas algumas pessoas caminhavam em direção a reserva florestal Samaúma. Então, resolvi segui-las pensando encontrar um destino para acalentar os pensamentos que me afligiam trazendo uma saudade doída.  Caminhei entre floridas e bem cuidadas alamedas circundadas por imensas arvores; Jatobás, Castanheiras, Samaúmas, Imburanas de Cheiro, Caranapaúba, Pau-d’arco, Breu, Cajueiro, Jatobás e tantos outros vegetais que agradam meus sentidos. A bela manhã sorria e o vento acarinhava meu rosto com um sorriso de luz do alvorecer.

Resolvi então, sentar à sobra de um frondoso Jatobá para melhor observar o aprazível santuário. Num profundo silêncio comecei a pensar na perfeição da Natureza, imaginando que é no silêncio que choramos, nos alegramos, sorrimos, amamos, gozamos e falamos com Deus. Folhas verdes guardavam o orvalha da manhã que se derramava sobre galhos caídos, e acima deles minúsculos insetos caminhavam, e entre tantos as formigas seguiam uma minúscula trilha de contornos definidos penetrando nas rachaduras da terra úmida enriquecida por nutrientes naturais. Estava eu completamente envolvido e embasbacado com o harmonioso cenário, percebendo um mundo diferente em que eu me envolvera sem sentir nenhuma ligação com o que experimentara antes; a saudade revelada. Ágora, pensava na perfeição da natureza. Raios dourados do Sol penetravam por entre os saudáveis galhos floridos do Jatobá, e a suave brisa da manhã afagava meu rosto tingido de contemplação num esplendoroso acalanto da Natureza, meu coração vibrava de felicidade e alegria. Adormeci sonhando. Sonhando um sublime perfume, chegou a mim uma bela árvore em forma de homem nomeado de Breubranco, dizendo que sua resina secretada, naturalmente da árvore é utilizada em pó queimado cuja fumaça é usada para curar as dores de cabeça e insônia de criança espantada. O pó da sua resina também é usado para tratar cortes no corpo. A fumaça do pó queimado do Breubranco atrai boa energia e afasta a ruim. Assim contou o homem que para mim se apresentou narrando sua história, quando tudo iniciou na África setentrional a milhares de séculos em um passado tão distante esquecido pelo homem.

 Então, contou o nobre visitante:

─ Nasci num lugar na África setentrional, filho de um mandatário de uma nação muito atrasada que acreditava em magia negra e vícios malfazejos, embora o rei fosse um homem virtuoso. Eu era seu filho conhecido por príncipe Breu “o benfeitor”. O rei era um sábio homem e a mim confiou à missão de tirar aquele povo da ilusão. A natureza havia me dado o direito de ser um sensitivo e quando visitava as tribos do reinado afastava a energia ruim que dominava os lugares, despedindo-a com minha força mental, ainda que praticasse algum ritual para satisfazer a compreensão deles. Sentido com o sofrimento dos súditos do meu rei, um dia pela força da Natureza me encantei nessa árvore que sou, dando continuidade a missão que me foi confiada, afastando das pessoas e, dos lugares, doenças e forças maléficas, despedindo-as para outras dimensões.

Despertando com o pensamento sonhando a beleza do verde da Natureza, com sentimento de alegria numa ternura que alenta a vida, volto desse indelével passeio, e aqui da varanda do meu Tapiri, enlevado escuto a chuva molhando a roseira, o vento ventando alegria sentindo-me mergulhado nos encantos da misteriosa floresta, arco-íris, seiva das belezas da vida, lembrando-me da figura encantada de Breubranco, o benfeitor, com seu perfume e força curadora. Com os olhos banhados de lendas trouxe de volta a alegria e a felicidade que nunca mais sairá de mim nem de você.

Nenhum comentário:

Postar um comentário